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Martignoni, De Moraes e Todeschini Advogados Associados

O processo judicial constitui o caminho pelo qual o Poder Judiciário – o “Estado-Juiz” – tem conhecimento de fatos e de conflitos entre as partes, e, diante da situação fática comprovada, aplicará o Direito. No sistema jurídico brasileiro, não há possibilidade, de regra, de as partes fazerem valer seus direitos diretamente contra aqueles que as lesam, o que se denomina de vedação ao exercício arbitrário das próprias razões. Existem exceções muito pontuais, como, por exemplo, a realização do que se denomina de “penhor legal”, como a retenção de malas de clientes de hotel que não pagaram as diárias, o qual, de qualquer sorte, exige homologação posterior do Poder Judiciário, nos termos do artigo 703 do Código de Processo Civil.

No Processo Civil brasileiro, há distintos procedimentos previstos, como, por exemplo, o procedimento comum, execução de título extrajudicial, ação monitória, ação de exigir contas, dentre outros. Além disso, cada procedimento tem características próprias. E, considerando que o processo tem uma finalidade, qual seja solver a demanda judicial, é dizer, aplicar o direito na situação conflituosa, há momentos processuais para a produção de determinados atos, sob pena de preclusão, isto é, de a parte perder a oportunidade de realizá-lo.

Portanto, há a inafastabilidade da jurisdição e, invariavelmente, determinados conflitos precisarão envolver o Estado, devendo-se observar os caminhos processuais previstos para serem solucionados. Nesse cenário, o presente texto tem por pretensão contextualizar o Processo Civil no Direito brasileiro e ajudar a compreender a importância, sobretudo, do domínio das regras processuais e da devida instrução processual, notadamente da produção probatória.

Em um Estado de Direito Democrático, a definição das instituições competentes pelo processamento e julgamento das causas e delimitação das suas respectivas funções – vedação a Juízos e Tribunais de exceção –, bem como a existência prévia das normas jurídicas e dos respectivos procedimentos judiciais constituem princípios básicos. Dessa forma, evita-se, por exemplo, decisões arbitrárias e processos parciais, surreais e inacessíveis à compreensão dos cidadãos, como, por exemplo, aquele processo judicial retratado na obra do renomado escritor checo Franz Kafka, intitulada “O Processo”.

Além de o processo constituir um instrumento, ou seja, um meio para compreensão adequada dos fatos e a devida apreciação judicial, trata-se também de um conjunto normativo próprio, constituindo objeto de um ramo jurídico autônomo. Nesse aspecto, é essencial dominar as normas processuais e o estabelecimento, de acordo com a situação fática, de adequada estratégia processual, a partir da metodologia e do conhecimento extraído dessa área jurídica.

O processo judicial, devidamente regulamentado na legislação, evita ou, ao menos, reduz o arbítrio estatal. Mas erros na condução processual, sejam judiciais – denominados errores in procedendo – sejam pelas partes, podem afetar, de forma categórica, a decisão judicial e, em decorrência, alguém que faz jus a determinado direito perder o processo!

É preciso ter consciência que as partes têm conhecimento dos fatos; o magistrado, não. O processo, nesse prisma, objetiva estabelecer qual a controvérsia e permitir uma reconstituição dos fatos, para, diante daqueles que forem comprovados judicialmente, aplicar o direito. Há uma busca pela verdade real; porém, a devida apreensão dos fatos, a depender do que vier a ser comprovado, enseja o que se denomina “verdade processual”. Ou seja, pode-se conseguir, ou não, retratar os fatos como realmente ocorreram, e, muitas vezes, não se consegue. 

 Logo, para a parte ter seu direito preservado pela via judicial, é preciso a devida delimitação das questões de fato e de direito, bem como uma diligente produção probatória.

O processo deve assegurar o contraditório e a ampla defesa, observada o que se denomina paridade de armas, ou seja, um tratamento justo e paritário a ambas as partes. Também se tem como princípio a prevalência do mérito quanto à forma. O processo tem uma natureza instrumental, pois as regras processuais servem para um problema ser resolvido – são um meio para alcançar um fim. Nesse contexto, eventual nulidade decorrente da não observância da forma processual prescrita, caso tenha alcançado sua finalidade e não constitua vício processual grave, pode ser superada.

A observância dos princípios não pode levar à eternização dos processos, pois a decisão tardia é falha! Nessa perspectiva, a celeridade processual também é um princípio a ser observado, sobretudo porque os conflitos precisam ser solucionados de forma rápida, para manter a paz social. Se a jurisdição é centrada no Estado, justamente para evitar conflitos diretos entre as partes, os julgamentos devem ser rápidos, para preservar o sistema jurídico, assim como o respeito e a pacificação no seio da sociedade.  

No artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República, resta assegurada “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, assim como o artigo 4º do Código de Processo Civil prevê o direito de as partes obterem a solução integral do mérito em prazo razoável, incluído o resultado útil do processo, é dizer, o que efetivamente se pretende – o bem da vida vindicado, como se costuma referir no meio jurídico.

Há, como dito acima, diferentes procedimentos, com fases próprias, conforme o tipo de conflito, tendo em vista a necessidade de o processo seguir uma tramitação que visa a alcançar a sentença – que constitui lei entre as partes - e, por fim, a sua concretização. A parte ré, por exemplo, tem, no procedimento comum,        prazo de 15 (quinze) dias úteis para contestar, após comprovado no processo a realização da citação. E, mesmo que conteste, se determinados fatos não forem impugnados, e pelo aspecto geral da peça defensiva não puderem ser considerados controvertidos, incide a presunção de veracidade, nos termos do artigo 341, caput, do Código de Processo Civil.

Ainda, as partes devem apresentar as provas documentais que têm à disposição na primeira oportunidade, ou seja, o autor anexa à inicial e o réu à contestação, conforme determina o artigo 434 do mesmo diploma legal. De regra, admite-se, no curso do processo, a juntada de prova documental posteriormente a essas oportunidades apenas se for documento que a parte não tinha acesso, quando do ajuizamento da ação ou da oferta da contestação, ou que esteja relacionado a evento posterior, observados os requisitos do artigo 435 do Código de Processo Civil.

Além disso, é obrigação do autor provar o que alega (ou seja, o fato constitutivo do seu direito); ao réu cabe demonstrar que há fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. Eventualmente, o magistrado poderá inverter o ônus da prova, quando, por exemplo, a parte que deveria produzir a prova não pode, pois, em razão das particularidades da relação de direito material, está impossibilitada de produzi-la ou constituir um ônus excessivo ou a parte adversa ter maior facilidade de obtê-la. Todavia, a inversão do ônus da prova não pode, igualmente, gerar uma prova impossível ou excessivamente difícil à outra parte.

Há também outras provas que são regulamentadas e que, a depender do objeto do processo, podem ser requeridas, como, por exemplo, depoimento pessoal, prova testemunhal, prova pericial e inspeção judicial. O requerimento da prova parte, primeiro, de um pressuposto de utilidade, é dizer, deve constituir um meio efetivo para comprovar determinado fato.

Ainda, a parte deve ter em vista que a prova é voltada ao juiz, que a apreciará independentemente de quem a produziu, ou seja, a considerará para apurar o que ocorreu e não no interesse de quem a trouxe aos autos, por isso o pedido de prova, além do critério de utilidade, deve ter em vista a conveniência para aquele que a requer. Não seria oportuno, por exemplo, o interessado solicitar a oitiva de uma testemunha cujo depoimento poderia trazer elementos que tumultuariam o processo e tiraria clareza do fato central que pretendia demonstrar ao Juízo.

Por fim, o Juiz pode determinar a produção de provas de ofício, isto é, sem requerimento das partes, caso repute a prova necessária para esclarecer os fatos e, assim, julgar o processo. As partes, por meio de seus procuradores, devem impugnar eventual prova determinada pelo juiz de ofício, se irrelevante ou inoportuna, ou discutir o conteúdo com o fim de resguardar seu direito.

Após encerrada a produção probatória, e diante do quanto provado nos autos, o juiz realizará o que se denomina de subsunção, isto é, analisará os fatos e os enquadrará nas normas jurídicas incidentes. Constitui o que se denomina também de silogismo jurídico. Dessa forma, julgará o processo e dirá quem tem ou não razão no conflito.

Nessa conjuntura, reforça-se que não adianta ter razão, ter, hipoteticamente, o direito, se não prová-lo de acordo com as regras processuais!

Em suma, considerando que o processo judicial constitui o meio hábil para tutela de direitos, revela-se fundamental, a luz do problema fático, traçar uma devida estratégia processual, que contempla desde o rito processual a ser escolhido, as provas a serem produzidas e as teses a serem propostas. Sem a devida comprovação dos fatos, o direito pode não ser assegurado pelo Judiciário, bem como, em caso de inobservância de regras processuais, as sanções decorrentes, como nulidades e presunções de veracidade, também podem impedir a satisfação do direito pretendido.

Nessa perspectiva, a devida orientação técnica, o acompanhamento jurídico – inclusive prévio ao ingresso da ação – e o exame detalhado da causa são muito importantes para tutelar os interesses do cliente e procurar diminuir os riscos da judicialização. 

 

O Direito constitui um fenômeno social aplicado, pois pretende regular as relações humanas e permitir uma previsão das consequências das ações ou omissões no convívio social. Nesse aspecto, está intimamente ligado ao dia-a-dia das pessoas e praticamente todo o agir humano permite sob si um olhar jurídico.

 Tanto as pessoas naturais como as jurídicas podem precisar de representação por meio de um advogado. Se essa relação com o procurador for contínua, possibilita que, antes mesmo de um litígio judicial, aconteçam orientações adequadas e seguras, permitindo um devido suporte nas escolhas realizadas, com previsibilidade das consequências jurídicas.

Nesse horizonte, podemos listar três aspectos principais da importância da representação e acompanhamento extrajudicial pelo advogado, quais sejam: a segurança jurídica; a possibilidade da resolução dos conflitos de forma célere e eficaz por meio de métodos alternativos; a devida preparação de uma ação judicial ou da defesa no âmbito processual.

 No que diz respeito ao primeiro ponto, necessária uma breve contextualização histórica.

 A Lei das XII Tábuas constitui a primeira regulamentação legal conhecida, ou seja, desde a Antiguidade, na Mesopotâmia, o Direito estava presente no cotidiano.

 No curso do desenvolvimento dos institutos jurídicos, no período napoleônico, na esteira da Revolução Francesa, procurou-se alcançar um sistema legal que permitisse resolver todos os problemas já então conhecidos como também situações futuras que pudessem ocorrer, em vista de uma ideia de perpetuidade da legislação, pois Napoleão intencionava que sua obra jurídica fosse imortalizada.

 Nessa linha, o Código Napoleônico (do qual a nossa legislação civilista se inspirou, diga-se) se valeu de linguagem mais direta, clara e acessível, bem como representou os ideais da citada revolução, como, por exemplo, a igualdade formal entre os cidadãos e a autonomia da vontade privada.

 Porém, essa ênfase na codificação encontrou problemas, porque a dinamicidade da vida e das relações não foi contemplada. Assim, no Direito, evoluiu-se, para agregar às regras já existentes e aplicáveis, o que se denomina de cláusulas abertas, as quais permitem que situações específicas que não tenham uma regra expressa na lei possam ser

O artigo 422 do Código Civil, por exemplo, prevê que os contratantes são obrigados a guardar boa-fé e probidade tanto na conclusão como na execução do contrato. Contudo, não há um conceito mais específico, ou seja, de maior densidade, sobre o que é boa-fé.

 Nesse contexto, depende-se, de um lado, da construção do conceito pelos juristas, bem como da interpretação, e aplicação dele, no caso concreto pelo Juiz. Há uma menor previsibilidade, portanto, pois não se depende da lei diretamente, mas do desenvolvimento da interpretação do instituto pelos juristas e da subjetiva do magistrado na sua aplicação.

 Contudo, se, de um lado, essas normas permitem que hipóteses novas estejam ao alcance do Direito, atendendo sua pretensão de regular as relações sociais, delega ao juiz, de outro, um maior poder de decisão. Afasta-se, um pouco, do que se denomina de

O artigo 121 do Código Penal, por exemplo, prevê para a conduta de “matar alguém” uma pena de seis da vinte anos. A título de silogismo teríamos, portanto:

 Premissa 1: Matar alguém implica pena de 6 a 20 anos.

 Premissa 2: Tício matou Caio.

 Conclusão: Tício terá uma pena de 6 a 20 anos.

 Há, dessa forma, um maior subjetivismo com a adoção das cláusulas abertas. Nesse viés, a representação pelo procurador de forma extrajudicial oportuniza um acompanhamento técnico, baseado no domínio das regras jurídicas e dos julgados e das pesquisas doutrinárias, possibilitando, naquelas situações já enfrentadas pelo sistema jurídico, adequada previsibilidade das consequências das ações empreendidas e, naquelas ainda poucos exploradas nos Tribunais, ou até mesmo novas, decorrentes, por exemplo, de inovadoras práticas comerciais,  orientações técnicas ao mesmo tempo criativas e seguras, a partir da devida interpretação do conjunto normativo e de estudos de casos próximos. É dizer, traz-se maior segurança jurídica ou previsibilidade.

 No tocante ao segundo aspecto, isto é, a resolução consensual dos conflitos, destaca-se que todo processo judicial tem um procedimento, ou seja, um caminho, conhecido no Direito como iter processual.

 O processo judicial é  composto de fases, por assim dizer: a fase postulatória – na qual as partes apresentam suas pretensões ao Juiz, que contempla a inicial, a contestação e a réplica; e a instrutória, com produção de provas, como testemunhas e perícias, por exemplo.

 Os atos processuais têm períodos de tempo pré-determinados. A título exemplificativo, após o ajuizamento da ação e o recebimento da petição inicial, haverá 15 (quinze) dias úteis para o réu ofertar contestação no procedimento comum, cuja contagem inicia, de regra, a partir da juntada do aviso de recebimento da carta de citação ou do mandado pelo oficial de justiça. Logo, variando conforme o procedimento, sempre haverá um período de tempo que será preciso aguardar para a conclusão do processo, ou seja, para que o juiz precise decidir sobre o processo.

 . Além disso, os prazos dos Juízes são impróprios. Isto é, diferente das partes que devem realizar os atos nos períodos determinados, sob pena de não poder realizá-los mais, os juízes não se vinculam. Em tese, o magistrado tem 5 (cinco) dias para prolatar um despacho ou decisão e 30 (trinta) dias para exarar uma sentença – decidir o processo –, após os autos serem conclusos para o seu exame, mas a inobservância desses prazos não traz qualquer consequência via de regra.

 Assim, a resolução extrajudicial dos conflitos, por meio de acordos e negociações, intermediados pelo procurador, além de garantir maior controle sobre o resultado, pode permitir uma rápida solução do problema enfrentado, sem a necessidade de se socorrer do Poder Judiciário.

 Por fim, quanto ao terceiro ponto trazido, destaca-se que o acompanhamento pelo procurador, desde o início do problema vivenciado pelo representado, possibilitará suporte preciso nos rumos a serem seguidos e a devida preparação para o processo judicial.

 Precisamos destacar aqui que, via de regra, cabe ao autor apresentar ao juízo a prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor.

 Ainda, a prova documental deve ser apresentada pelo autor no início do processo, quando do protocolo da petição inicial, e pelo réu quando da apresentação da sua defesa, isto é, junto com a contestação. E, se por determinação judicial a parte deveria apresentar prova necessária à comprovação de determinado fato e não faz, sem justificativa legítima, os fatos que se pretendiam provar com aquela prova, e favoráveis à outra parte, podem ser presumidos verdadeiros. Nesse contexto, a devida orientação é essencial para evitar prejuízos pela indevida organização probatória. 

 No caso, por exemplo, de uma pessoa que foi vítima de ofensas em publicações na sua rede social e recebeu mensagens atentatórias à sua honra, e considerando que tais comentários podem ser excluídos, revela-se importante proceder ao registro de tais fatos em ata notarial, dotada de fé pública.

 Em outra hipóteses, envolvendo, por exemplo, uma locação comercial, na qual o imóvel apresenta problemas estruturais ou infiltrações que impedem o devido uso pelo locatário e prejudicam o desenvolvimento das suas atividades, com perda de receitas, o correto registro dos fatos, com vídeos e fotografias, o encaminhamento de notificações extrajudiciais de acordo com as disposições legais, a demonstração clara, mediante balancetes, de perda de receitas, dentre outras medidas, pode permitir, com segurança, além da rescisão contratual, indenização por danos materiais e morais. Note-se que a produção probatória contemporânea à ocorrência dos fatos é fundamental para assegurar uma maior probabilidade de sucesso no processo judicial.

Logo, o devido assessoramento pelo procurador, sobretudo prévio a qualquer litígio judicial, permite aos clientes segurança nas relações que travam, quer seja no âmbito pessoal quer seja profissional. Com efeito, enseja soluções firmes e amparadas no sistema jurídico que evitam, muitas vezes, a morosidade e arbitrariedade dos conflitos submetidos ao judiciário.

 

 Por Thiago Todeschini Ferreira – Advogado Sócio no MT Advogados

e Everton R. Motta Reduit – Advogado no MT Advogados 

 

 

 

A representação por advogados para resoluções de conflitos de interesses e defesas de direitos são praticamente inevitáveis ao cidadão ou empresário. Muitas são as dúvidas que surgem na contratação de um advogado, dentre elas, da possibilidade de indenização dos honorários.

Os valores investidos no suporte legal de advogados ainda levantam inseguranças nas inúmeras (e potencialmente infinitas) desavenças do mundo dos negócios. Uma das perguntas recorrentes é sobre a possibilidade de ressarcimento, ou compensação, dos próprios honorários contratuais do advogado, relativos ao atendimento e representação nos casos, sobretudo aqueles com êxito.

"Quem pergunta, é idiota por cinco minutos. Quem não pergunta, é idiota para sempre"1.

Não se trata de uma pergunta boba. Muito pelo contrário, faz todo o sentido.

Afinal, se uma pessoa agride a outra, gerando despesas médicas na recuperação dos ferimentos do inocente, é certo que o agressor seja obrigado a indenizar esses custos. Entretanto, a questão dos valores despendidos com profissional do Direito não tem uma resposta tão simples ou certeira.

Vamos trazer a pergunta para um exemplo, para depois passarmos ao seu estudo:

Ex. João celebra contrato verbal de mútuo financeiro com Pedro - o bom e velho empréstimo de dinheiro - no total de R$ 10.000,00, a serem pagos em até 3 meses, correndo juros remuneratórios de 1% ao mês em favor de João.

Entretanto, após 4 meses e inúmeras tentativas de cobrança, João não consegue recuperar o valor de Pedro.

João, então, busca seu advogado de confiança, Gaio, o qual sugere o ingresso de uma ação judicial para cobrança do valor do empréstimo, acrescido de juros e correções e eventuais perdas e danos. Para representação no caso, Epaminondas propõe honorários contratuais iniciais de R$ 1.500,00, mais 10% sobre o êxito na cobrança.

João pondera, então, que no mínimo dos R$ 10.040,00 que lhe seriam devidos por Pedro, 10% corresponderiam ao êxito de seu procurador, significando R$ 9.036,00 líquidos a receber. Ainda, considera em suas contas, os R$ 1.500,00 de honorários contratuais iniciais, reduzindo a recuperação econômica de João para R$ 7.536,00.

Após essa constatação o questionamento inevitável é: "Dr. Gaio, e os seus honorários não podem ser indenizados/reembolsados? Não podemos pedir danos morais porque o Pedro me obrigou a ajuizar uma ação para cobrar o dinheiro que era meu? "

Antes de adentrar nas minúcias e buscar uma resposta, inclusive histórica, para esse questionamento, cabem dois esclarecimentos ao leitor:

O primeiro esclarecimento é relativo aos diferentes tipos de honorários advocatícios:

1) os honorários advocatícios sucumbenciais, que são aqueles estipulados por um juiz em favor do advogado da parte vencedora em processo judicial (art. 85 do Código de Processo Civil). É possível, entretanto, que representado e advogado combinem destinação diversa que não o juiz para esses valores;

2) os honorários contratuais estipulados entre o representado (cliente), e o advogado, os quais levam como referência a tabela de honorários da OAB;

3) os honorários "arbitrados", que são aqueles fixados pelo juiz em processo judicial quando cliente e advogado não combinam previamente os valores de remuneração, ou seja, de um certo modo, também são honorários contratuais, mas fixados por um juiz após a prestação de serviços.

Nesse texto, trataremos da possibilidade da indenização relativa aos honorários advocatícios contratuais (2), em moldes semelhantes ao questionamento do exemplo de João e Pedro.

O segundo esclarecimento diz respeito aos tipos de obrigações e responsabilidades civis que os sujeitos podem ser submetidos no nosso ordenamento jurídico. A rigor, existem duas fontes de responsabilidade civil:

A) As que decorrem da violação de obrigação legal.

B) As que decorrem do inadimplemento de obrigação em contrato. Quando se fala em "contrato" não estamos tratando necessariamente de um instrumento de contrato em "papel", já que a maior parte dos contratos não prevê forma solene para sua validade, ou seja, podem ser celebrados oralmente, tal como no exemplo de Pedro e João.

A regra geral da responsabilidade civil por violação de obrigação prevista em lei (A) reside na interpretação conjunta dos artigos 186 e 927 do nosso Código Civil, que dispõe que "aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, será obrigado a repara-lo".

É o caso, por exemplo, do sujeito que, por negligência, atravessa o sinal vermelho e bate o carro de outra pessoa. Atravessar o sinal vermelho é um ato ilícito, portanto, pela regra dos arts. 186 e 927, o motorista incauto é obrigado a reparar o dano do inocente, inclusive danos morais e estéticos, se decorrentes.

Já a responsabilidade por inadimplemento de contrato (B) - que se aplica ao exemplo do empréstimo entre João e Pedro - está prevista no art. 389 do mesmo Código Civil, o qual prevê que "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".

Tratam-se de responsabilidades pensadas e amadurecidas na sociedade e no Direito de modo separado, com prazos prescricionais, condições de exercício de direito e diversas ramificações próprias, como as responsabilidades contratuais e extracontratuais dentro do direito do trabalho, do consumidor, ambiental e assim por diante.

Considerando a menção expressa do art. 389 do Código Civil ao termo "honorários advocatícios", e também tendo em vista a grande extensão do campo de estudos da responsabilidade civil aquiliana (a do tipo "A", que decorre de lei, idealizada ainda nos tempos romanos), serão tratadas apenas as possibilidades de reposição ou indenização dos honorários em casos de responsabilização contratual de natureza civil.

Respondendo desde já à pergunta, depende! Mas, via de regra, não.

Os honorários contratuais avençados entre cliente e advogado não são normalmente indenizáveis perante aquele que descumpriu a sua obrigação.

Ou seja, no exemplo da dívida de Pedro perante João, os honorários gastos com o advogado Gaio para cobrança judicial do débito não serão, via de regra, indenizáveis. João terá que arcar com os honorários de seu advogado, mesmo que isso signifique "sair com menos dinheiro do negócio do que quando entrou".

Essa resposta simples e direta parece contradizer a letra fria da lei, não? Afinal, há menção expressa ao termo "honorários advocatícios" no texto do art. 389 do Código Civil.

Para compreendermos melhor o porquê dessa resposta, precisamos voltar um pouco no tempo.

A profissão de advogado teve a sua origem com a separação da religião e do direito, precisamente com a criação da Lei das XII Tábuas, no ano de 450 A.C. Somente aproximadamente 800 anos depois, na época do Império Bizantino, é que se tem registro da primeira Ordem de Advogados no Império Romano, determinando a todo advogado um registro no foro no qual as causas eram submetidas.

No Brasil, as ordenações Filipinas apresentaram a advocacia para nossa sociedade. Dentro dessas ordenações, o período necessário de estudo para ser advogado era de 8 anos.

Importante destacar que a advocacia brasileira no período colonial era exercida de forma livre. O indivíduo aprendia o conteúdo e depois exercia o nobre ofício conforme a prática.

Ocorre que, para aprender a advocacia, era preciso cursar o curso de Direito da Faculdade de Coimbra, em Portugal, acesso tido apenas pela classe burguesa e privilegiada da época.

Esses fatos corroboram para a constatação de que, desde os seus primórdios, a profissão de advogado foi exercida majoritariamente por membros da sociedade com recursos suficientes para prestar o serviço apenas pela honraria, não precisando de remuneração específica pela sua atuação.2

A partir do contexto, se vê que o instituto dos honorários advocatícios nem sempre existiu na humanidade. No direito Romano, por exemplo, os honorários nunca chegaram a ser fixados, tendo em vista que na época estas despesas eram tidas como irrelevantes e os encargos deveriam ser suportados pelas próprias partes. (CHIOVENDA, 1965, p. 21).

Assim, salta aos olhos que, mesmo diante do contexto atual da profissão - à qual não está mais adstrita a poucos profissionais práticos com formação no exterior e amplas posses, tampouco àqueles que poderiam viver da política envolvida na representação de interesses - o pagamento de honorários contratuais, mesmo sendo necessários à remuneração do profissional, seguem difíceis de ser indenizados em favor da parte prejudicada.

Como qualquer matéria objeto de lei federal, a matéria já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo que este levantou restrições à cobrança dos honorários contratuais em ação direcionada ao perdedor, visando ressarcimentos dos valores gastos na contratação de advogado.

Nesse sentido, cite-se excerto do voto da Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do EREsp 1155527/MG:

"Destarte, não obstante as considerações por mim tecidas no julgamento (...) penso que a expressão 'honorários de advogado', utilizada nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos à atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Vale dizer, o termo 'honorários de advogado' contido nos mencionados dispositivos legais compreende apenas os honorários contratuais eventualmente pagos a advogado para a adoção de providências extrajudiciais decorrentes do descumprimento da obrigação, objetivando o recebimento amigável da dívida. Sendo necessário o ingresso em juízo, fica o credor autorizado a pleitear do devedor, já na petição inicial, indenização por esses honorários contratuais - pagos ao advogado para negociação e cobrança extrajudicial do débito -, mas, pelos motivos acima expostos, não terá direito ao reembolso da verba honorária paga para a adoção das medidas judiciais." (EREsp 1155527/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 28/06/2012)

Ainda, no mesmo sentido, cite-se entendimento doutrinário:

"Finalmente, o dispositivo em exame acrescenta os honorários de advogado ao valor indenizatório. Ao acrescentar a verba honorária entre os valores devidos em decorrência das perdas e danos, parece que o legislador quis permitir que a parte prejudicada pelo inadimplemento possa cobrar o que despendeu com honorários, seja antes de ajuizar a ação, seja levando em conta a diferença entre aquilo que contratou com seu cliente e aquilo que foi arbitrado a título de sucumbência. Não se pode supor ele tenha feito menção a essa verba apenas para os casos de ajuizamento da ação, quando houver a sucumbência, pois, nessa hipótese, a solução já existiria no art. 20 do CPC/73 (arts. 82, §2º, e 85, §17, do CPC/2015) e não é adequada a interpretação que concluiu pela inutilidade do dispositivo. As dificuldades apontadas para a incidência deste dispositivo tampouco preocupam. Se o credor contratar um advogado que resolveu extrajudicialmente sua questão, ao obter indenização por perdas e danos sem necessidade de ingressar em juízo, haverá prejuízo para ele se da quantia obtida tiver que deduzir os honorários devidos ao profissional. Por isso é que a disposição se revela adequada: para que a indenização devida ao credor, vítima do inadimplemento, seja plena, sem necessidade de dedução dos honorários da atuação extrajudicial. Caso o valor dos honorários contratados pelo credor se revele exagerado, haverá abuso de direito (art. 187) e só se reconhecerá a ele o direito ao pagamento de honorários adequados ao que usualmente se paga por atividades daquela espécie - indicada, inclusive, pela Tabela de Honorários da OAB. Nem se imagine que o fato represente novidade no sistema indenizatório. Diariamente, condenam-se causadores de danos a indenizar o valor dos honorários médicos, que também se sujeitam à verificação de sua razoabilidade. Idêntico tratamento merecerão os honorários de advogado. " (BDINE JR, HAMID CHARAF in Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 10. ed. Barueri, SP. Manole, 2016. p.367 - ênfases nossas)

Do teor do voto da ministra Nancy Andrighi, que já celebra mais de 10 anos de existência, extrai-se o seguinte: os honorários da fase de cobrança extrajudicial até seriam indenizáveis, mas os honorários contratuais despendidos para ingresso de ação, não.

Os fundamentos para a decisão: 1) os honorários sucumbenciais existem exatamente para atender a esse anseio, qual seja, de onerar a parte perdedora do processo judicial com as respectivas custas e honorários; 2) o contrato celebrado entre advogado e representado gera obrigações entre as partes, ou seja, não seria justo opor uma obrigação entre dois para um terceiro (princípio da relatividade dos contratos).

Infelizmente, a matéria não foi devidamente pacificada até então, mesmo que submetida à Corte competente para tanto, o STJ. Assim, no julgamento do REsp 1644890, embora o Ministro Villas Bôas Cueva tenha entendido razoável a inclusão de honorários advocatícios contratuais na cobrança extrajudicial, diferiu do precedente do próprio STJ e consignou a possibilidade de cobrança dos próprios honorários envolvidos na execução judicial do contrato de locação de shopping center:

"Nesse contexto, a situação que autoriza a intervenção judicial para a modificação do contrato precisa realmente extrapolar o que usualmente se verifica nas relações empresariais do setor", observou.

Nesse caso, o STJ entendeu que a existência de previsão expressa no contrato entre lojista e shopping sobre a cobrança dos valores de honorários permitiria a indenização dos honorários contratuais despendidos pelo shopping, mesmo que na ação judicial de cobrança, sem que isso implicasse em duplicidade indevida de honorários (sucumbenciais + contratuais).

Interessante ressaltar a menção expressa, na decisão, ao art. 54 da lei 8.245/91, que prevê que "nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei".

 A possibilidade de cobrança dos honorários contratuais segue sendo objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive com divergência em julgados. Como exemplo trazemos trechos do julgamento do Agravo Interno no RECURSO ESPECIAL 1.515.433 - MS, em que o tema quanto a possibilidade de ter deferido o ressarcimento dos custos decorrentes da contratação de advogado para ajuizamento de ação. A Quarta Turma do respectivo Órgão Julgador detém entendimento que, a necessidade de contratação de advogado, por si só, não constituem ilícito capaz de ensejar danos materiais indenizáveis.

Nos fundamentos da decisão, o Nobre Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira assim menciona:

"Melhor explicando, muito embora tenhamos, por reciprocidade, de reconhecer o direito do réu de, resultando vencedor na ação (improcedência total dos pedidos), ser indenizado pelo autor dos honorários contratuais pagos ao seu advogado, não terá o autor praticado nenhum ato ilícito capaz de dar ensejo a esse dever de indenizar. Na realidade, terá apenas exercido o seu direito de ação, constitucionalmente garantido (sendo certo que, no particular, não se está a cogitar das situações em que há abuso desse direito, com o ajuizamento de ações temerárias) ".

Ainda, no mesmo Voto traz à colação entendimento expressado nas razões do julgamento do REsp 1.027.797/MG, 3ª Turma, em que naquele contexto ressaltou:

 "... a expressão 'honorários de advogado', utilizada nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos à atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Vale dizer, o termo 'honorários de advogado' contido nos mencionados dispositivos legais compreende apenas os honorários contratuais eventualmente pagos a advogado para a adoção de providências extrajudiciais decorrentes do descumprimento da obrigação, objetivando o recebimento amigável da dívida. Sendo necessário o ingresso em juízo, fica o credor autorizado a pleitear do devedor, já na petição inicial, indenização por esses honorários contratuais - pagos ao advogado para negociação e cobrança extrajudicial do débito - mas, pelos motivos acima expostos, não terá direito ao reembolso da verba honorária paga para a adoção das medidas judiciais. Com isso, penso que ficam equacionados os direitos do credor e do devedor, do autor e do réu, compatibilizando-os não apenas às disposições do CC/02, mas também à coexistência, admitida por nosso ordenamento jurídico, de honorários advocatícios de naturezas distintas, contratuais e sucumbenciais..."

É possível concluir que via de regra os honorários contratuais não serão indenizáveis em favor da parte vencedora, seja porque os honorários sucumbenciais existem para esse fim, seja porque o STJ entende que os contratos entre particulares não podem ser oponíveis a terceiros e potencialmente gerariam inúmeras demandas temerárias.

Ainda assim, as três esferas do poder têm demonstrado cada vez mais respeito à vontade das partes dispostas em contrato (pacta sunt servanda), sendo a recente PEC da liberdade econômica um inequívoco apontamento nessa vontade.

Com esse amadurecimento, caso as partes tenham celebrado contrato que preveja expressamente a possibilidade de indenização dos honorários advocatícios, o judiciário tem aceitado, em determinados casos, a compensação com os gastos despendidos com a contratação de advogados.

Em casos em que não há expressa previsão entre as partes, prevalece o entendimento de que terão as partes litigantes apenas exercido o seu direito de ação, constitucionalmente garantido, sendo que para ressarcimento dos eventuais prejuízos na contratação de advogado, existe a figura dos honorários sucumbenciais.

Logo, diante das divergências mencionadas, primando por segurança jurídica, no caso de eventual ajuizamento de demandada, é prudente a contratação expressa da possibilidade de cobrança da parte sucumbente pelos valores despendidos na contratação de advogado no caso de execução judicial das obrigações contratuais, visando minimizar prejuízos futuros decorrentes da inadimplência.

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1 Provérbio do Pintor, Calígrafo, Poeta e Estadista Chinês, Wang Wei. 701-761.

2 https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/11559/Porto_Lucas_Porciuncula.pdf?sequence=1)

 

Autores:


Thiago Todeschini Ferreira
Advogado sócio responsável pelas áreas de Direito Cível e Propriedade Intelectual do MT Advogados Associados. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2016). Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade de Estrasburgo, França (2016). Cursou LLM em Direito Empresarial na Fundação Getúlio Vargas - FGV (2021).


Deize Machado
Graduada em Direito pela Faculdade Riograndense - FARGS, no ano de 2013, II, com especialização em Licitações e Contratos pelo Instituto de Direito Contemporâneo - IDC, atualmente advogando junto ao escritório Martignoni, De Moraes e Todeschini Advogados Associados - MT Advogados, na área de Direito Bancário.

É inegável que as duas principais estruturas societárias brasileiras são a sociedade limitada, regida pelo Código Civil, e a sociedade anônima, submetida à Lei 6.404/1976.

Inúmeras são as diferenças e peculiaridades de cada estrutura, mas o presente artigo se debruça sobre as diferenças entre as divisões de capital social das sociedades limitadas e das anônimas, que naquela são chamadas de quotas e nesta de ações.

A Lei das Sociedades Anônimas deu um passo adiante e definiu três diferentes espécies de ações a serem adotadas, sendo elas ordinárias, preferenciais ou de fruição[1], diferentemente do Código Civil, que apenas delimitou a responsabilidade dos sócios das sociedades limitadas, sem trazer qualquer previsão sobre diferentes espécies de quotas a serem adotadas. 

Neste cenário, buscamos responder às seguintes perguntas: quais as diferenças entre quotas, ações ordinárias e ações preferenciais? Seria possível uma sociedade limitada emitir quotas preferenciais? Se sim, qual seria seu benefício? 


[1] Destaca-se que as ações de fruição não serão abordadas no decorrer do presente trabalho, já que se trata apenas de ações já amortizadas pela sociedade, mantendo todos os direitos que possuíam anteriormente, de acordo com a sua classe anterior (ordinária ou preferencial), a menos que previsão diversa esteja expressa no contrato ou estatuto social. O foco do presente artigo é discorrer acerca da possibilidade de se adotar, nas sociedades limitadas, quotas que possuem privilégios econômicos em detrimento de direitos políticos.

  

1. Quotas, ações ordinárias e ações preferenciais

Como dito anteriormente, dá-se o nome de quota à parcela da divisão do capital social das sociedades limitadas, enquanto no caso das sociedades anônimas chamamos de ações.

No caso da quota, ela está prevista no art. 1.052 do Código Civil, senão vejamos: 

 

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

 

Essencialmente, as quotas dão a todos os sócios os mesmos direitos e poderes, sendo a gerência e administração da sociedade regulada pela porcentagem de quotas que cada sócio possui, devendo sempre ser observado o previsto no Contrato Social.

Ao contrário do que ocorre nas sociedades anônimas, que podem atribuir diferentes vantagens e limitações às suas ações, sejam elas ordinárias sejam elas preferenciais, desde que previsto no Estatuto Social e observado o disposto entre os arts. 15 a 19 da Lei 6.404/1976.

As ações ordinárias focam na distribuição de poderes de administração da sociedade, determinando a relevância e peso dos votos dos acionistas no rumo dos negócios.

Ou seja, sua principal característica é justamente garantir os poderes políticos ao acionista, o que pode até mesmo acarretar no seu controle da sociedade[2]. mesmo não sendo o detentor da maioria das ações ordinárias emitidas, por meio de um mecanismo chamado de “voto plural”[3], formalmente incluído em nosso ordenamento jurídico no ano de 2021.

Já as ações preferenciais não possuem direito à voto (embora possam eleger membros do Conselho de Administração, caso previsto no Estatuto), mas como o nome sugere, possuem certas preferências se comparadas com as ordinárias, que consistem em (i) prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; (ii) prioridade no reembolso do capital; (iii) ou a cumulação das duas preferências anteriores.

Ainda, existem preferências específicas que a legislação atribui aos acionistas preferenciais de sociedades anônimas de capital aberto, tais como condições mais favoráveis na distribuição dos lucros, Tag Along, percentuais mínimos de distribuição de dividendos, entre outros.

 


[2] A depender do número de ações ordinárias que o acionista é detentor, cumulado com o quórum estabelecido para a aprovação de determinadas matérias, o sócio que detém a maioria pode “controlar” a sociedade mediante seu voto, pois mesmo com a soma dos votos divergentes, estes não conseguem formar maioria sobre aquele.

[3] Existem outros mecanismos, além do voto plural, que conferem o poder de controle de uma sociedade ao acionista que não detém a maioria do capital votante, como na existência de acordos de sócios, alta participação ordinária em sociedade de capital pulverizado, entre outros.

 

2. É possível emitir "quotas preferenciais"?

Como vimos, o Código Civil não atribui às quotas características de preferência como ocorre nas ações.

Ocorre que o legislador atribui ao Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI –, a competência para definir os parâmetros e critérios de registros das empresas[4], e utilizando desta prerrogativa e da ausência de regulamentação expressa do Código quanto à possibilidade, ou não, de atribuição de preferências para as quotas, definiu em sua Instrução Normativa nº 81, item 5.3, II, alínea “b”[5], a possibilidade da emissão deste tipo de quota, senão vejamos:

 

5.3. REGÊNCIA SUPLETIVA DA LEI Nº 6.404, DE 1976

O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, conforme art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil.

Para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:

I - poderá ser prevista de forma expressa; ou

II - presumir-se-á pela adoção de qualquer instituto próprio das sociedades anônimas, desde que compatível com a natureza da sociedade limitada, tais como:

[...]

  1. b) quotas preferenciais;

[...]

5.3.1. Quotas preferenciais

São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.

 

Ainda, tal entendimento adotado pelo Departamento está concatenado com as normas positivadas no Código Civil, consoante art. 1.053, parágrafo único, transcrito:

 

Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

 

Deste modo, as normas da Lei das Sociedades Anônimas, naquilo que não forem contrárias às disposições do Código Civil e os tipos societários ali regulados, podem ser adotadas em caso de omissão ou lacuna legislativa[6].  

Neste sentido, a resposta do questionamento deste tópico é positiva: sim, é possível a emissão de quotas preferenciais em sociedades limitadas, com todos as preferências anteriormente citadas, desde que expressamente (i) previsto no Contrato Social e (ii) haja, também, previsão de regência supletiva das normas das sociedades anônimas. 

 


[4] Vide art. 4º da Lei nº 8.934/94 (Lei do Registro de Empresas), http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8934.htm

[5] Referida Instrução Normativa foi editada após as alterações causadas pela Lei nº 13.874, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-81-de-10-de-junho-de-2020-261499054

[6] Ressalta-se que igual possibilidade de adoção de quotas preferenciais se aplica às sociedades simples (vide art. 983, que permite a sociedade simples de adotar tais mecanismos), se regulamento diverso não estiver previsto em lei especial (como ocorre com os escritórios de advocacia, que devem seguir as disposições contidas no Estatuto da Advocacia).

 

3. Os benefícios de emitir quotas preferenciais nas sociedades limitadas 

Consoante dados do Mapa de Empresas, disponibilizado pelo Governo Federal[7], o Brasil conta atualmente com 19.862.765 empresas ativas, sendo que as sociedades limitadas representam 4.768.183 deste total, enquanto as sociedades anônimas representam apenas 179.762.

Isso ocorre, pois, via de regra, a sociedade anônima é mais onerosa, e também pela cultura econômica do Brasil ser de alta preponderância de empresas familiares[8].

Deste modo, grande parte das empresas são constituídas sob a forma de sociedade limitada, tanto para diminuir custos quanto para manter apenas membros da família no quadro social da empresa.

Não obstante, existem também empresas limitadas de grande porte, nas quais suas estruturas e meios de funcionamento se assemelham as de uma sociedade anônima, ou seja, a pessoalidade dos sócios não é característica preponderante para as relações sociais, mas sim o capital[9].

Isso pode ser observado em elementos da própria liberdade de disposição sobre a sua parcela do capital social. Os sócios podem acordar em dispensar a necessidade de aprovação dos outros sócios para a venda da sua participação para terceiros, ou até mesmo a diminuição do quórum para anuência deste procedimento. Tais ajustes societários demonstram que a sociedade busca se afastar do elemento preponderante de Institutu Personae e busca converter a relação social para a obtenção de capital.

A adoção de quotas preferenciais neste tipo de empresa pode vir a facilitar a obtenção de investimento privado, forma de captação de recursos amplamente utilizada pelas sociedades anônimas, em especial nas de capital aberto.

Mediante a emissão deste tipo de quotas, o novo investidor poderia aportar capital visando um retorno financeiro, sendo-lhe atribuído preferências e direitos que façam com que ele possa participar dos lucros da empresa sem estar pessoalmente envolvido com os demais sócios.

Por outro lado, os os demais sócios poderiam captar recursos sem se preocupar que um terceiro – de fora da família ou sem vínculo pessoal – pudesse ter voto crucial em deliberações do rumo da empresa.

Neste contexto, mediante um contrato social em que conste, expressamente, a possibilidade de quotas preferenciais, a sociedade limitada, em especial aquelas de grande porte, pode utilizar mecanismos que facilitam a entrada de novos sócios e, consequentemente, de autofinanciamento para viabilizar os seus projetos, sem que isso afete as bases políticas, por vezes familiares, estruturantes da sociedade.

 

 


[7] https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas

[8] No Brasil, por esta peculiaridade nos quadros sociais das empresas, que majoritariamente são constituídos por decorrência de laços sanguíneos ou proximidade, percebe-se que o intuitu personae é um instituto de grande pertinência na prática, pois ele molda a relação dos sócios perante a sociedade, dos sócios entre si, da sociedade perante os sócios e destes perante o mercado e a sociedade.

[9] Diferentemente do que ocorre nas sociedades limitadas, as sociedades anônimas, em sua concepção original, concentram-se na reunião de capital em busca do lucro por meio de um objeto em comum (finalidade social). Já a sociedade limitada pode ser caracterizada como a reunião de pessoas e capital  em busca do lucro por meio de um objeto em comum. Enquanto neste tipo a pessoa do sócio é relevante para a constituição do quadro societário da empresa, naquele o capital aportado é o fator relevante.

 

 

4. Conclusão

 Com base nos elementos debatidos, é possível uma sociedade limitada adotar características das sociedades anônimas, neste caso a emissão de quotas preferenciais sem direito a voto (ou com este direito restringido), a fim de adequar sua estrutura societária à realidade e necessidade operacional da empresa, tal como a obtenção de investimento privado, desde que tal condição esteja expressamente (i) previsto no Contrato Social e (ii) haja, também, norma expressa de regência supletiva dos dispositivos das sociedades anônimas.

 

Por Paula Kowalski – Advogada Sócia no MT Advogados

e Murillo Oliveira Braga – Estagiário de direito no MT Advogados 

 

Em abril do corrente ano, o Presidente Jair Bolsonaro publicou os Decretos nº 11.047, 11.052 e 11.055, os quais reduziram as alíquotas de diversos produtos previstos na Tabela de Incidência sobre Produtos Industrializados (TIPI), que serve como parâmetro para o cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a ser pago pelo contribuinte, conforme previsão legal contida no art. 2º e seu parágrafo único, ambos do Decreto nº 7.212. 

Receosos com o impacto socioeconômico e a desigualdade concorrencial que a redução do tributo poderia causar à Zona Franca de Manaus, o Partido Solidariedade propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.153 perante o Supremo Tribunal Federal, buscando a declaração de inconstitucionalidade dos referidos Decretos e, liminarmente, a suspensão dos seus efeitos.

O pleito inicial veio a ser satisfeito em 06/05/2022, mediante liminar concedida pelo Relator do processo, Ministro Alexandre de Moraes, onde ele suspendeu (i) na íntegra os efeitos do Decreto nº 11.052 e (ii) os efeitos referentes à redução da alíquota dos produtos produzidos pelas indústrias alocadas na Zona Franca de Manaus e que fazem parte do Processo Produtivo Básico.

Ocorre que a decisão proferida pelo Relator implica em entraves e insegurança para as empresas ao redor do país, pois gerou o presente cenário: por um lado, temos alíquotas reduzidas pelos Decretos do Executivo, que ainda não foram alteradas na TIPI e, por outro, temos estas mesmas alíquotas com a sua eficácia suspensa. 

Nesse contexto, a pergunta que fica é: quais as alíquotas que devem ser aplicadas? As revogadas pelos Decretos ou as que ainda constam na TIPI, ainda que estejam com sua eficácia suspensa? A fim de responder esta pergunta, foi elaborado o presente artigo.

 

1. O Imposto sobre Produtos Industrializados, a Legalidade e a Segurança Jurídica Tributária

 

Para responder à pergunta acima proposta, é necessário observar alguns conceitos importantes quanto à natureza do IPI e um dos princípios norteadores do Direito Público, o da legalidade, em especial no que concerne à sua aplicação no âmbito tributário. 

Este princípio, na sua forma pura, encontra previsão no art. 5º, II da CF, que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Por decorrência da aplicação da legalidade, as leis e demais atos normativos servem como instrumentos que visam conceder segurança jurídica e previsibilidade de efeitos para aqueles que estão a elas subordinados. 

Não obstante, perante o Direito Público, a segurança jurídica, dado o seu grau de importância, também é considerado um princípio, conforme se extrai do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que institui que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Uma observação importante a se fazer é que ambos os princípios citados estão previstos dentro do art. 5º da Carta Magna, ou seja, são cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas, o que apenas evidencia a sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro.

Para melhor elucidar a aplicabilidade da segurança jurídica, discorre o jurista José Afonso da Silva¹:

“a segurança jurídica consiste no 'conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida'. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”

Já ao observarmos os seus efeitos perante a legislação tributária, explica o professor Humberto Ávila² em sua obra:

“O conceito de segurança jurídica incide da mesma forma no Direito Tributário. Não há dois princípios da segurança jurídica, um geral e outro tributário. Apesar disso, há algumas nuanças que precisam ser referidas, quer decorrentes do modo como a segurança jurídica foi positivada na CF/88, no âmbito do Direito Tributário, quer advindas da própria natureza da relação obrigacional tributária.”

“Desse modo, o conceito de segurança jurídico-tributária pode ser definido como uma norma-princípio que exige dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a adoção de comportamentos que contribuam mais para a existência, em benefício dos contribuintes e na sua perspectiva, de um elevado estado de confiabilidade e de calculabilidade jurídica, com base na sua elevada cognoscibilidade, por meio da controlabilidade jurídico-racional das estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, como instrumento garantidor do respeito à sua capacidade de, sem engano, frustração, surpresa ou arbitrariedade, plasmar digna e responsavelmente o seu presente e fazer um planejamento estratégico juridicamente informado do seu futuro”

Em especial, há de ser observado o elemento fundamental para a existência da relação tributária, a saber, a existência de Lei nos moldes formais e materiais constitucionalmente previstos, consoante art. 150, I, e art. 146 e seguintes da Carta Magna, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

  1. a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

[...]

Com isso, tem-se que o constituinte atribuiu ao legislador ordinário a competência para regulamentar a criação e parâmetros para cobrança dos tributos.

Contudo, como toda regra tem sua exceção, o IPI não se sujeita ao procedimento legislativo acima, possuindo o Poder Executivo prerrogativa para alterar as alíquotas incidentes neste tributo, conforme normatizado no art. 153, IV, §1º da Constituição Federal, abaixo colacionado:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

IV - produtos industrializados;

[...]1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

Isso ocorre pois o IPI tem caráter extrafiscal, ou seja, não tem como finalidade arrecadar verbas para os fundos públicos, mas sim serve como mecanismo de controle e fomento da economia (e, por vezes, de instrumento político). 

Neste contexto, é totalmente compreensível o objetivo que o constituinte buscou ao permitir que o Executivo, órgão responsável pela administração estatal, tenha poderes para modificar os percentuais a serem cobrados sobre as operações envolvendo os produtos industrializados e tributados pelo IPI. A celeridade é ponto fundamental para a manutenção da economia, obrigação inerente do Executivo e que não poderia ser delegada para outro Poder.

Não obstante, tal prerrogativa não causa ofensa ao princípio da legalidade, por dois motivos principais: o primeiro, é que está previsto na própria Constituição, e em detrimento da tese defendida por Otto Bachof, ilustre professor alemão, o STF entende não existir norma constitucional (leia-se, positivada na Constituição) inconstitucional, portanto, do ponto de vista material, totalmente válida a prerrogativa; já o segundo motivo é que não há ofensa ou contrariedade à separação de poderes no que concerne a normatização das relações jurídico-tributárias, pois embora o Executivo possa alterar as alíquotas vigentes, ele deve observar e respeitar os limites impostos pelo Legislativo, que mantém sua competência para alterar tais parâmetros quando entender ser necessário.  

 

2. A TIPI e os problemas gerados pela ADI 7.153

 

O Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados e determina, em seu art. 2º e parágrafo único, que o cálculo do valor a ser recolhido deve ser feito com base nas alíquotas constantes na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI –, como se verifica:

Art. 2 O imposto incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros, obedecidas as especificações constantes da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI Lei n 4.502, de 30 de novembro de 1964, art. 1 , e Decreto-Lei n 34, de 18 de novembro de 1966, art. 1 ).

Parágrafo único.   O campo de incidência do imposto abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero, relacionados na TIPI , observadas as disposições contidas nas respectivas notas complementares, excluídos aqueles a que corresponde a notação “NT” (não tributado) (Lei n o 10.451, de 10 de maio de 2002, art.6º ).

A referida tabela já foi modificada inúmeras vezes no decorrer do tempo por diversos outros decretos, sendo o atualmente vigente o Decreto nº 10.923, de 30 de dezembro de 2021, que passou a produzir efeitos em 1º de maio do presente ano, que também sofreu alterações pelos Decretos nº 11.047, 11.052 e 11.055, os quais tiveram sua eficácia suspensa em 06/05/2022 pela liminar concedida na ADI 7.153, ou seja, apenas cinco dias após o início dos efeitos da lei.

Ao analisar a liminar, verifica-se que o Ministro não definiu, até a data da elaboração deste artigo, critérios transitórios para como será realizada a cobrança dos produtos enquanto perdurarem os efeitos da liminar. Neste sentido, fica reduzida a segurança jurídica dos contribuintes na medida em que não possuem previsibilidade e certeza sobre qual será a alíquota incidente no seu produto para que possa corretamente repassar no preço. Concomitantemente, tem-se a Receita Federal vinculada à uma tabela que possui produtos com alíquotas de eficácia suspensa e não alterada, dificultando na análise de qual alíquota cobrar.

 

3. A separação de poderes, a confiança no Estado e a proteção do contribuinte

 

Demonstrado o problema de ordem prática, e não sobrevindo qualquer decisão do STF a fim de regular a lacuna criada, cabe aos operadores do direito buscarem alternativas para tal.

Observando todo o exposto até agora, principalmente no tocante ao discorrido no tópico referente a legalidade tributária, temos que o constituinte (Poder Legislativo), (i) determinou os critérios legislativos para a existência da relação jurídico-tributária e (ii) facultou ao Poder Executivo a possibilidade de elaborar Decretos para a manutenção da alíquota do IPI e (iii) o Executivo, utilizando dessa faculdade, vinculou a cobrança do tributo às alíquotas constantes na TIPI.

Considerando isto, nota-se que o constituinte estipulou os limites necessários para a atuação conjunta de Legislativo e Executivo, balanceando os poderes e competências atribuídos a ambos: enquanto aquele, no geral, limita o poder de tributar e cobrar do Executivo, este possui, em certos casos, maleabilidade para ajustar alíquotas de acordo com a necessidade econômica do país, área de sua competência. 

Já ao Poder Judiciário restou as suas funções típicas de guardião da lei e da Constituição. Contudo, seu poder de atuação se limita a interpretações e declarações, mas sob hipótese alguma possui poder para mudar o texto da lei, o que seria uma clara afronta ao Poder Legislativo (ou ao Executivo e seus Decretos) e à estabilidade da separação de poderes e ao Estado Democrático de Direito.  

Por outro lado, como citado, é permitido ao Judiciário, ao interpretar a norma jurídica, e isso inclui a sua declaração de (in)constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal, atribuir efeitos a esta decisão, seja referente a modulação temporal (efeitos extunc ou ex nunc), seja critérios transitórios para a aplicação da decisão. No caso concreto, não ocorreu nenhuma das duas situações.

Portanto, inexistindo critérios definidos para a situação, há de ser ponderado no caso o rumo a ser tomado, visando manter a separação dos poderes e buscando a segurança jurídica para o contribuinte na utilização das alíquotas previstas na TIPI.

Há de ser considerada a preservação do contribuinte que, de boa-fé, estruturou sua operação de acordo com as normas emitidas pelo poder competente, não podendo ser ele lesado por questões de interesse político-econômico, e muito menos permanecer na sombra legislativa do caso. Para elucidar isso, faz-se pertinente analisar outro trecho do professor Humberto Ávila³:

Assim – como será analisado ao longo do trabalho –, dependendo do objeto, da intensidade e da finalidade da restrição dos direitos fundamentais, o princípio da segurança jurídica deve ser considerado de uma forma ainda mais protetiva. Isso ocorre, por exemplo, quando a tributação tem uma finalidade extrafiscal: se o contribuinte terminou exercendo uma atividade por causa da orientação dada pelo próprio Estado, ainda que ele devesse contar com a mudança futura e, por isso, houvesse razões para que sua confiança não fosse legítima, a sua confiança exercida deve ser protegida.”

Por fim, deve ser também observado o subprincípio da confiança, derivado do desdobramento dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, que, mediante a publicação de atos normativos pelo poder público, gera a legítima expectativa nos contribuintes de que tais disposições serão cumpridas pelo Estado, sendo novamente didaticamente explicado pelo professor⁴:

“A confiança, justamente porque o cidadão deve orientar-se por leis válidas e vigentes ou por atos normativos que produzem efeitos, inicia-se com a publicação da lei e com a intimação do ato ou decisão administrativa. 

O princípio da proteção da confiança só se justifica nos casos em que o cidadão tem a sua confiança, gerada por um ato estatal anterior, frustrada por uma nova manifestação estatal contraditória. “

 

4. Conclusão

 

Sendo assim, em observância a segurança jurídica e legítima expectativa dos contribuintes, entendemos que devem ser observadas as alíquotas existentes na tabela TIPI, independentemente da suspensão dos efeitos de alguma delas, até que seja (i) alterada a referida tabela pela Receita Federal do Brasil, ajustando-se à liminar concedida na AD 7.153 ou (ii) haja a estipulação de critérios transitórios por parte do Supremo Tribunal Federal que visem assegurar, mesmo que temporariamente, a previsibilidade ao contribuinte.

 

Por José Vicente Pasquali de Moraes – Advogado Sócio no MT Advogados

e Murillo Oliveira Braga – Estagiário de direito no MT Advogados

 

 


¹ SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006. Pag: 133.

² Ávila, Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Pag.: 280-283.

³ Ávila, Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Pag.: 281-282.

⁴Ávila, Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Pag.: 397-401.

O sistema marcário brasileiro aceita, há muito tempo, quatro tipos de apresentação dos elementos distintivos passíveis de registros por marca: as expressões nominativas, relacionadas a palavras; figurativas, relacionadas a imagens, formas fantasiosas, alfabetos distintos do português, logomarcas; mistas, que compreendem uma porção nominativa e uma porção figurativa; tridimensionais, relacionadas à forma plástica distintiva dos produtos/serviços a que é aplicada.

 

 

Entretanto, a complexidade das relações comerciais e humanas com produtos/serviços e seus sinais marcários dá espaço para outros tipos de proteção e apresentação de marcas – nos Estados Unidos, por exemplo, temos a proteção de marcas sonoras e no Japão de marcas olfativas – que não se adequam perfeitamente nas possibilidades de proteção atualmente vigentes.

É o caso da marca de posição, amplamente utilizada no mundo da moda, e que, até então, não era registrável no Brasil – ao menos, não por procedimento específico, com requisitos e análise particularizados às especificidades desse tipo de marca.

Com o intuito de garantir maior amplitude de proteção marcária, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passou a receber pedidos de marca de posição desde outubro de 2021, após tramitação interna dessa nova apresentação.

De forma simplificada, o INPI caracteriza marcas de posição como “sinal distintivo em uma posição singular e específica de um determinado suporte, dissociada de efeito técnico ou funcional”.

Essa definição decorre da sintetização do conteúdo da Portaria INPI nº 37, de 13 de setembro de 2021 – que, por si própria, já é bastante suscinta. Podemos extrair, didaticamente, dois requisitos para caracterização de uma marca de posição no Brasil:

  • Singularidade e especificidade.
  • Dissociação de efeito técnico ou funcional.

Todavia, a leitura isolada da definição e dos requisitos talvez não seja suficiente para deixar evidente o que constitui uma marca de posição. Por essa razão, também foi publicada pela Autarquia uma nota técnica, que dá definições concretas, exemplos e requisitos para processamento e reconhecimento da distintividade da marca de posição.

Comecemos pela definição de posição, objeto central do tipo de marcas discutido.

A posição deve ser: 1. Singular, quanto ao local em que o sinal é aplicado, não podendo ser comumente utilizado nos produtos/serviços afins; e 2. específica, quanto à proporção do sinal em relação ao suporte, ou seja, quanto o sinal ocupa do suporte.

O sinal, por sua vez, pode ser composto “por quaisquer elementos visualmente perceptíveis”. Aí se encaixam letras, formas, desenhos, entre outros elementos, capazes de garantir distintividade à marca de posição, quando aplicado no suporte.

Finalmente, o suporte é o desenho, em linhas pontilhadas/tracejadas, que representa o produto/serviço a que o sinal é aplicado. Tal suporte deve permitir a clara identificação da posição, proporção e disposição do sinal aplicado.

Todos os elementos supracitados compõem o pedido de registro de marca de posição, o que traz a seguinte dúvida: o que, efetivamente, é protegido através de uma marca de posição?

Afinal, a marca de posição não se refere somente ao sinal, à posição ou, muito menos, somente ao suporte. Na realidade, a marca de posição é o resultado indissociável da soma de todos esses elementos, para garantir a proteção do sinal, aplicado a uma posição singular, em um determinado suporte.

                                                                                           

Tênis da marca New Balance, com o característico "N" (sinal) posicionado na lateral do tênis (suporte).

           Fonte: https://www.newbalance.com.br/tenis-new-balance-247s-casual-masculino-ms247sh3/p?skuId=385377

 

Em outras palavras, se houver a alteração de qualquer um dos elementos – em relação a uma marca de posição já registrada – não se reconhecerá a mesma marca e, portanto, essa nova disposição não será amparada de proteção.

 A nota técnica também traz explicações mais aprofundadas dos requisitos formais para pedido de registro de marca de posição, como:

  • a necessidade de descrição textual da marca, com a finalidade de evidenciar o que se pretende proteger;
  • a necessidade de distintividade do sinal aplicado a determinada posição no suporte, em comparação a outros serviços/produtos similares;
  • a impossibilidade de registro de sinais relacionados a efeito técnico, como facilidade de uso, melhoria estética, destaque de partes para maior segurança, etc.;
  • a disponibilidade da marca de posição solicitada, mediante análise de colidência com outras marcas de posição já existentes.

Apesar dos muitos requisitos, análises e detalhes, a mera possibilidade de registro de marca de posição representa, por si só, avanço no escopo de proteção marcária do sistema brasileiro.

A recente formalização de marcas de posição - que já era amplamente utilizada em outros países – coloca o Brasil em voga como um destino seguro à proteção de mais elementos distintivos e inovadores, o que certamente aumentará, a nível nacional, a demanda e exploração dos produtos e serviços a eles associados.

  

Por Vinicius Antoniollo Vargas | Advogado

e Guilherme Declerque de Almeida | Estagiário 

 

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