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Martignoni, De Moraes e Todeschini Advogados Associados

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válida a cláusula do regulamento do programa de fidelidade de uma companhia aérea que previa o cancelamento dos pontos acumulados pelo cliente após o seu falecimento.

O recurso analisado pelo colegiado foi originado de ação civil pública ajuizada por uma associação de consumidores. O juízo de primeira instância declarou a cláusula nula e determinou que os herdeiros poderiam utilizar as milhas em cinco anos. Houve recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que apenas alterou o prazo de utilização para dois anos.

No recurso ao STJ, a companhia aérea alegou que a anulação da cláusula geraria o desvirtuamento do programa de fidelidade, que passaria a beneficiar não apenas os clientes fiéis, mas também os seus herdeiros – o que afetaria o aspecto econômico-financeiro do programa. A empresa sustentou que as normas de proteção do Código de Defesa do Consumidor (CDC) só se aplicariam aos contratos de adesão gratuitos quando fosse comprovado algum prejuízo ao consumidor.

 

Contrato é unilateral, gratuito e intransferível

Relator do caso, o ministro Moura Ribeiro destacou que existem duas formas de juntar pontos com viagens aéreas: uma em que o consumidor adquire, de maneira onerosa, um programa de aceleração de acúmulo de pontos; outra na qual o consumidor ganha os pontos, gratuitamente, como bônus por sua fidelidade – e era este o caso dos autos.

 O magistrado observou que esse é um tipo de contrato de adesão, unilateral e gratuito, em que a empresa aérea fica responsável tanto pelo estabelecimento das cláusulas quanto pelas obrigações decorrentes do acordo, não tendo o consumidor que pagar pelo benefício. "Sendo o contrato gratuito, deve ser interpretado de forma restritiva, nos termos do disposto no artigo 114 do Código Civil", disse o relator.

Dessa forma, Moura Ribeiro concluiu que o direito de propriedade – intuito personae, nesse caso (cujo titular é a própria pessoa) – deve ser analisado sob o enfoque do poder de fruição, sendo, assim, legal a previsão da empresa aérea quanto a ser o benefício "pessoal e intransferível".

 Herdeiros, muitas vezes, nem são clientes da companhia

"Os pontos são bonificações gratuitas concedidas pela instituidora do programa àquele consumidor pela sua fidelidade com os serviços prestados por ela ou seus parceiros. Não parece lógico falar em abusividade ao não se permitir que tais pontos sejam transmitidos aos seus herdeiros, por ocasião de seu falecimento – herdeiros que, muitas vezes, nem sequer são clientes e muito menos fiéis à companhia instituidora do programa", comentou o ministro.

 Para o relator, entender de forma diferente "corresponderia a premiar aquele consumidor que, quando do ingresso no programa de benefícios ofertado – frise-se, gratuitamente –, era sabedor das regras do jogo e com elas concordou em detrimento do fornecedor, o que não se pode admitir, pois a proteção da harmonia e do equilíbrio, da mesma forma, não impõe ao fornecedor gravames excessivos, mas exclusivamente aqueles vinculados à natureza de sua atividade e à proteção dos interesses legítimos dos sujeitos da relação", concluiu.

 

STJ, 21/10/2022

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Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da legalidade da administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental.

Com base nesse entendimento, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo validou a aplicação de multa pelo Procon de Campinas a uma empresa do ramo de seguros por não prestar informações claras ao consumidor. A decisão foi unânime.

De acordo com os autos, uma consumidora contratou garantia estendida para seu celular. Após algum tempo de uso, notou que a bateria não sustentava mais a carga. Em razão disso, acionou a seguradora para a troca, sendo recusada com a justificativa de que o seguro contratado não cobria defeitos em bens consumíveis, como a bateria. Até então, ela não havia sido informada sobre esse fato.

A seguradora foi multada pelo Procon em 1.500 Unidades Fiscais de Referência (UFIRs). Uma UFIR no município de Campinas corresponde a R$ 4,20, o que gerou uma multa de R$ 6.300 para a empresa ré. Ao validar a punição, o relator, desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez afirmou não haver motivo para afastar a presunção de legalidade do ato administrativo.

O relator apontou que a seguradora não demonstrou nenhuma irregularidade ou ilegalidade relativamente à imposição da multa, "tampouco provou adoção de conduta consentânea com as normas consumeristas de proteção". Para Cortez, a seguradora não prestou informações claras à consumidora sobre a cobertura da garantia estendida.

"Se a exclusão da garantia da bateria tivesse sido evidenciada à consumidora de forma idônea (com os devidos destaques), tal fato provavelmente impediria a contratação do seguro extraordinário, de modo que a falta de clareza no contrato causou prejuízo à contratante, o que não se poderia admitir, já que colocou a segurada em posição extremamente desvantajosa perante a seguradora", concluiu.

Conjur, 14/09/2022.

 

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A juíza de Direito Dalia Zaro Queiroz, da vara do JEC do Consumidor de Salvador/BA, condenou a Apple e a Lojas Americanas a fornecer carregador e fone de ouvido a consumidor que comprou iPhone. O magistrado concluiu que "foge à razoabilidade que um aparelho celular seja vendido sem o respectivo carregador, porquanto seja necessária a reposição de carga para que seja funcional".

Na Justiça, um consumidor alegou que comprou nas Lojas Americanas celular fabricado pela Apple, todavia, o produto veio sem o respectivo carregador e fone de ouvido, impondo-lhe adquiri-los em loja diversa. Narrou, que o ato configura venda casa e pleiteou indenização moral e material pelo ocorrido.

Em defesa, a multinacional alegou que o não fornecimento dos produtos tem por finalidade a diminuição do impacto climático.

Vale lembrar que, em 2020, quando lançou o iPhone 12, a Apple anunciou a remoção dos fones de ouvido e dos adaptadores de tomada. A decisão da empresa foi alvo de polêmicas. 

Ao sentenciar o caso, a magistrada destacou que o aparelho eletrônico funciona com bateria recarregável, portanto, caracteriza-se o carregador como acessório essencial ao regular funcionamento do produto. 

"Foge à razoabilidade que um aparelho celular seja vendido sem o respectivo carregador, porquanto seja necessária a reposição de carga para que seja funcional. Por certo, sem o carregador o aparelho se mostra completamente inadequado à utilização."

Asseverou, ainda, que ao comercializar o produto sem o carregador, a Apple condicionou o adequado aproveitamento do aparelho à aquisição de outro produto. Assim, concluiu que a prática da empresa se caracteriza como venda casada.

"Em verdade, o réu pratica uma venda casada às avessas, já que no lugar de condicionar o item à aquisição do produto (venda casada tradicional), obriga o consumidor, por vias indiretas, a comprar um item, para que, só assim, o produto se torne útil", afirmou. 

Por fim, a juíza condenou, solidariamente, a Apple e as Lojas Americanas a fornecer o carregador e fone de ouvido ao consumidor, bem como ao pagamento de R$ 5 mil a título de danos morais.

Migalhas, 27/08/2022

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Por Thiago Schlottfeldt Nascimento Da Cas

Para além da crise sanitária provocada pela pandemia, culminando com milhões de mortes em todo o mundo, a mesma trouxe consigo a crise econômica, alterando as relações interpessoais, trabalhistas e de consumo, expondo, ainda mais, as agruras das vulnerabilidades do consumidor, potencializando algumas delas, de modo que, rapidamente, tiveram que lidar com o analfabetismo digital, preços abusivos de produtos de primeira necessidade, publicidade enganosa, cancelamento de viagens e estadias em hotéis, bem como a intensificação da oferta de crédito.

Inegável que o consumidor vivenciou, em um período de inúmeras incertezas, diversas modificações nas relações consumeristas, impactando, diretamente, nas suas escolhas, realocando preferências e prioridades, se adaptando a uma nova realidade que exteriorizou uma ruptura paradigmática na vida cotidiana e consumerista até então experimentada. De igual modo, as empresas também tiveram que se adaptar à nova realidade vivenciada, implicando em alterações estruturais, se atentando nos cuidados com a saúde e segurança do consumidor, fornecimento de produtos e serviços no formato delivery, migrando a totalidade ou quase totalidade de suas atividades para o e-commerce, ante a necessidade de não encerramento de seus negócios[1].

Estudo realizado pelo Sebrae[2] mostra que as prioridades do consumidor se alteraram drasticamente com a chegada da sociedade pandêmica, crescendo o interesse por produtos para a manutenção geral da saúde e bem-estar, priorização de produtos essenciais para a contenção do vírus, saúde e segurança pública, aumento do consumo de alimentos e compras de viagens restritas, impulsionados pela angústia e necessidade de adaptação ao incerto. Ao mesmo tempo, o aumento do acesso ao e-commerce, motivado pela procura de produtos e serviços on-line, também envolveu o consumidor, demonstrando as disparidades do analfabetismo digital, bem como o próprio fornecimento e acesso aos serviços de telecomunicações, colocando em evidência diversas preocupações, dentre elas, a proteção de dados do consumidor e a privacidade, acesso à solução de conflitos e ressarcimento, fraudes, publicidade enganosa e a própria existência de canais de comunicação e reclamação idôneos[3]. De acordo com a Global Webex Index[4], mundialmente, um terço dos consumidores relatou ter efetuado mais compras on-line durante o período pandêmico, ou seja, o consumidor que estava habitualmente acostumado a realizar compras de forma presencial, não teve alternativa que não migrar para o comércio eletrônico. No mesmo sentido, a Organização Mundial do Comércio[5] relatou o aumento na procura de produtos eletrônicos, alimentos, suprimentos médicos e utensílios domésticos.

Assim, o que restou nítido no período pandêmico, foi a sensação de ansiedade e incerteza vivenciada pelo consumidor, fazendo com que emergisse uma necessidade de resgate de autocontrole sobre os aspectos que circundam a vida, devido a hipervulnerabilidade experimentada, trazendo à tona algumas preocupações que se refletiram na sociedade de consumo. De acordo com o site Mercado e Consumo[6], entre tantas certezas e preocupações genuínas, nasceu uma necessidade de busca de positividade e esperança quanto ao futuro melhor, traduzindo-se em um consumo ativista, a partir da autoconscientização do consumidor de influenciar o ambiente e poder fazer parte da solução, com engajamento mais forte em causas sociais e de cobrança de mais ação por parte das empresas, já que desejam ter mais do que um produto ou serviço, mas sim um motivo para consumi-lo. De igual modo, buscou, na sociedade de consumo, conforto no que é estável, previsível e seguro, como reflexo de um desejo latente de estabilidade e segurança, traduzindo-se em uma motivação cautelosa quanto ao consumismo, assumindo uma mentalidade recessiva, impactando até mesmo na taxa de abandono de “carrinhos de compra” no e-commerce.

Lipovetski [7]já alertava que em se tratando da busca do prazer, o mais importante não é o preço da coisa, mas a mudança que ela pode provocar na rotina do consumidor, sendo o consumo uma ocasião propícia para a renovação da existência da vida cotidiana, capaz de arejar e rejuvenescer a atmosfera daquilo que se experimenta habitualmente. No mesmo sentido, Baudrillard[8] leciona que as promessas de felicidade, contidas no mesmo invólucro que embala o objeto, podem amenizar, ainda que, momentaneamente, a ansiedade, que parece corroer a alma, disparando a narcose dos sentidos, tornando menos insuportáveis existências vãs disseminadas na sociedade de consumo. É assim que o discurso do canto da sereia possui por premissa a instauração, induzimento e legitimação de novas práticas e comportamentos sociais, criando desejos nunca antes sentidos, exteriorizados na prática de assédio para o consumo, que pressiona o consumidor, influenciando, paralisando ou impondo suas decisões de consumo, explorando emoções, medos, confiança em relação a terceiros, abusando o fornecedor da sua condição de expert, bem como de circunstâncias especiais do consumidor. O assédio para o consumo calca-se na necessidade de incutir necessidades e criar desejos, estimulando as compras, de modo que não possuir o objeto de desejo promove reações furtivas e, consequentemente, pensamentos e sentimentos doentios e incontroláveis[9].

Se na sociedade dita standard, o assédio de consumo envolve o consumidor com seus tentáculos nos mais diferentes espectros de consumo, na sociedade pandêmica, concentrou-se na propagação da necessidade da contratação de empréstimos pessoais – ainda que efetivamente muitos consumidores necessitassem – abusando do apelo emocional e da situação de hipervulnerabilidade vivenciada, sem olvidar da incidência mais contundente dos chamados “acidentes da vida cotidiana”, ante as infindáveis incertezas que se apresentaram, por meio do uso recorrente de imperativos verbais e de palavras que instigam o consumidor a contratar , mensagens estas dirigidas ao consumidor que olha e não enxerga, lê e não compreende, expondo-o a injustificadas situações de riscos. A consequência, pode-se constatar no aumento de 113% na procura por crédito consignado, de 2020 em relação a 2019[10], bem como o fato de que 79% dos brasileiros buscaram crédito na pandemia[11]

Nesse sentido, o consumidor pós-pandêmico, mergulhado em uma sociedade assimétrica de consumo, mantém-se refém das publicidades e do assédio para o consumo, ferindo o recente artigo 54-C, do microssistema consumerista, publicidades estas cada vez mais apelativas, agressivas e emocionais, deixando o consumidor mais distante da (falsa) sensação de estar escolhendo conforme sua vontade, sendo controlado por parte de quem detém uma forma de poder, como bem pontua Schmidt Neto[12], permanecendo, dia após dia, tarefa árdua, principalmente junto ao meio eletrônico, não ser importunado por publicidades não solicitadas que alastram o assédio para o consumo e induzem à contratação do crédito como forma de solução dos problemas apresentados. Assim, como já vivenciado no período pandêmico, espera-se que o consumidor pós-pandêmico mantenha reordenada a sua ordem de prioridades nas decisões de consumo (ou seria consumismo?), de modo a possuir uma relação cada vez mais amigável com o tempo, pois quem compra a crédito antecipa o futuro, estimulado que é para adquirir o que não se precisa com o dinheiro que não se tem.

Para isso, o consumidor pós-pandêmico traz consigo o enorme legado da necessidade de letramento financeiro, urgindo a necessidade de um Estado mais atuante, promovendo a conscientização do consumidor como forma de tentar dirimir a assimetria existente entre quem oferta o crédito e quem contrata, para além das espécies de vulnerabilidades existentes, tornando os consumidores sabedores dos riscos e das consequências advindas da contratação de crédito, envolvendo-os como sujeitos ativos do controle financeiro de suas próprias vidas, tudo isso aliado à punição daqueles fornecedores que obnubilam as práticas de crédito responsável. De outro modo, ressalta-se que não se quer de maneira alguma demonizar o crédito, por meio da sua concessão, pois necessário em uma sociedade de consumo, especialmente para as classes menos favorecidas economicamente, pois crédito e endividamento são facetas de uma mesma moeda, mas sim que haja o conhecimento de que o crédito possui uma patologia inerente e estrutural que é o superendividamento.

Dessa forma, ainda que não se possa, em um exercício de futurologia, prever o comportamento do consumidor pós-pandêmico, ante as armadilhas imprevisíveis da sociedade de consumo, é possível descrever as diretrizes a serem seguidas, perpassando, necessariamente pelo binômio educação e concessão de crédito responsável, pois conhecer o passado é fundamental para enfrentar as agruras que se avizinham.

[1] VIEIRA, Luciane Klein; CIPRIANO, Ana Cândida Muniz. Covid-19 e Direito do Consumidor: desafios atuais e perspectivas para o futuro. Revista de Direito do Consumidor. vol. 135. p. 103-124. São Paulo: Ed. RT, maio/jun. 2021. p. 105.

[2] SEBRAE. Estudo mostra novo comportamento do consumidor diante da pandemia. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/estudo-mostra-novo-comportamento-do-consumidor-diante-da-pandemia. Acesso em: 29 de janeiro de 2022.

[3] VIEIRA, Luciane Klein; CIPRIANO, Ana Cândida Muniz. Covid-19 e Direito do Consumidor: desafios atuais e perspectivas para o futuro. Revista de Direito do Consumidor. vol. 135. p. 103-124. São Paulo: Ed. RT, maio/jun. 2021. p. 105.

[4] GLOBAL WEB INDEX. Access the world’s most insightful consumer data. Disponível

em: www.globalwebindex.com/data. Acesso em: 29 de janeiro de 2022.

[5] WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). WTO report looks at role of e-commerce during the Covid-19 pandemic. Disponível em: www.wto.org/english/news_e/news20_e/rese_04may20_e.htm. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

[6] MERCADO E CONSUMO. O que esperar do consumidor pós-pandemia. Disponível em: https://mercadoeconsumo.com.br/2021/03/26/o-que-esperar-do-consumidor-pos-pandemia. Acesso em: 29 de janeiro de 2022.

[7] LIPOVETSKI, Gilles. A sociedade da decepção. Barueri: Editora Manole, 2007.

[8] BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Ed. 70, 2011.p.23.

[9] BASAN, Arthur Pinheiro; JACOB, Muriel Amaral. Habeas Mente: a responsabilidade civil como garantia fundamental contra o assédio de consumo em tempos de pandemia. Revista IBERC. V.3, n.2. P.161-189, maio/ago., 2021. p 171.

[10] IDEC, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Saldo de um ano de pandemia: reclamações contra instituições financeiras disparam. Disponível em: https://idec.org.br/release/saldo-de-um-ano-de-pandemia-reclamacoes-contra-instituicoes-financeiras-disparam. Acesso em: 29 de janeiro de 2022.

[11] SERASA. O papel do crédito em um momento de retomada. Disponível em: https://www.serasa.com.br/ecred/blog/pesquisa-credito. Acesso em: 29 de janeiro de 2022.

[12] SCHMIDT NETO, André Perin. O livre arbítrio na era do big data. 1ª. ed: Tirant lo Blanch. 2021.p.294.


Thiago Schlottfeldt Nascimento Da Cas é advogado, especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe) e mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).


Conjur, 20/04/2022

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A medida, que inutiliza por completo o produto após a atualização do sistema operacional, afetou os consumidores que realizaram reparos fora da assistência técnica especializada.

A 3ª turma do STJ entendeu que a Apple não terá que pagar danos morais coletivos pela inserção do chamado "Erro 53" no iPhone 6. A medida, que inutiliza por completo o produto após a atualização do sistema operacional, afetou os consumidores que realizaram reparos fora da assistência técnica especializada.

A decisão teve origem em ação coletiva na qual o IBPDI - Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática pediu que a Apple fosse condenada a pagar indenização de R$ 50 milhões por dano moral coletivo e consertar, sem custos, os celulares prejudicados pelo bloqueio tecnológico, além de ressarcir eventuais despesas com reparos.

O IBPDI alegou que a fabricante do iPhone adotou essa prática "abusiva e anticoncorrencial" com a finalidade de manter os consumidores dependentes dos serviços de reparo e reposição de peças que ela disponibiliza nas lojas autorizadas.

Para o TJ/DF, falhas tecnológicas seriam previsíveis

Em sua defesa, a Apple sustentou que o bloqueio dos aparelhos teria decorrido de um mecanismo de segurança que produz incompatibilidade entre os números de série dos componentes originais dos aparelhos e eventuais peças não autênticas utilizadas em consertos por oficinas não credenciadas.

Em primeira instância, o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito, apontando a ilegitimidade ativa do IBPDI, ante a ausência de autorização expressa dos filiados, individualmente ou em assembleia específica para essa finalidade.
O TJ/DF, apesar de reconhecer a legitimidade da autora, entendeu que não ficou caracterizado o dano moral coletivo, pois as falhas tecnológicas seriam previsíveis, e os consumidores teriam ciência das peculiaridades do produto - não havendo, portanto, lesão injusta e intolerável a valores fundamentais.

Dano moral coletivo está relacionado a direitos difusos e coletivos

No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, de fato, conforme a jurisprudência do Tribunal, o dano moral coletivo só será configurado quando a conduta antijurídica abalar, de forma intolerável, valores e interesses coletivos fundamentais.
Ela lembrou a diferença entre os direitos ou interesses transindividuais classificados como coletivos e os classificados como individuais homogêneos. Segundo a magistrada, os coletivos são aqueles de natureza indivisível, de titularidade de grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Os interesses individuais homogêneos, por seu turno, são interesses individuais que acabam alcançando toda uma coletividade e passam a ter relevância social, tornando-se indisponíveis quando tutelados.

Para a relatora, o dano moral coletivo "não se origina de violação de interesses ou direitos individuais homogêneos - que são apenas acidentalmente coletivos -, encontrando-se, em virtude de sua própria natureza jurídica, intimamente relacionado aos direitos difusos e coletivos".

Vício do produto tem potencial de causar danos individualmente considerados

No caso do iPhone 6, Nancy Andrighi observou que as alegações do IBPDI e as provas reunidas no processo permitem concluir que o que se buscava na ação coletiva era a defesa de direitos individuais homogêneos.

"Não resta caracterizado, na hipótese, dano moral coletivo, pois não se vislumbra ofensa a direitos difusos ou coletivos, sendo certo que a demanda em testilha visa a tutela de direitos individuais homogêneos, que, por sua natureza, não são compatíveis com essa espécie de dano extrapatrimonial."

A magistrada acrescentou, porém, que o não reconhecimento do dano moral coletivo não retira a gravidade do evento nem isenta a empresa de eventual responsabilidade por ofensa a direitos individuais homogêneos dos consumidores.

"Não se está, na hipótese, isentando o fornecedor da responsabilidade pelo vício do produto que colocou no mercado e que possui a potencialidade de causar danos individualmente considerados, sejam materiais, sejam morais, a serem oportunamente apurados."


6 de abril de 2022 – MIGALHAS

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