TituloMT

Martignoni, De Moraes e Todeschini Advogados Associados

Bloqueio de bens sem autorização judicial

Há no Brasil um fenômeno legislativo interessante. Trata-se da prática de, em meio a leis enormes e retóricas, inchadas como jaboticabas da época, inserir disfarçadamente um dispositivo ou outro que, isolado, seria alvo de reprovação imediata.

Fica o objeto de polêmica oculto entre dezenas – às vezes centenas - de artigos, números, alíquotas, percentuais, procedimentos, nomes de órgãos, trâmites, remissões a outras normas, enfim a tudo isso que, de certa forma, integra também o grande símbolo nacional: a burocracia.

Quem disse, afinal, que no Brasil falta técnica legislativa? Por aqui, a bem da verdade, sobra técnica. É a atávica legislação da malandragem.

Exemplo recente desse fenômeno veio com a lei 13.606 de 9 de janeiro de 2018, que estabelece o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), uma iniciativa do governo aparentemente benéfica ao produtor rural, que inclui, dentre outros pontos, o refinanciamento de dívidas de operações de crédito rural, assinaladas por uma expressiva concessão de descontos na liquidação, além de diminuição de alíquotas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Esta última medida, por exemplo, teria um impacto positivo ao produtor, especialmente na negociação do boi gordo (isso, é claro, se o preço da arroba se mantiver, o que não é uma certeza).

Na verdade, a lei 13.606/18 apresenta um meio de refinanciamento e parcelamento de dívidas que pode facilitar uma arrecadação a toque de caixa, prática mais velha do que andar para frente. Os tributaristas saberão avaliar se realmente o PRR configura um gesto de magnanimidade do Fisco (o que seria algo sem precedentes).

Tanto quanto se deduz, a iniciativa é a expressão de uma política alinhada ao momento, marcado inclusive pelos flertes do governo com uma possível flexibilização da regra de ouro, como se deu a conhecer pelo empenho da equipe econômica em apresentar uma PEC nesse sentido1 . Com a temível regra e o governo conhecedor dos riscos de ''pedalar'' – o que garante que não fará em 20182 -, além do ambiente de reformas gerando contínuas altercações no debate político, as estratégias de aquecimento da economia, o que inclui a arrecadação e execução fiscal, precisam avançar.

Pois bem.

Essa nova lei traz, de entre seus áridos dispositivos, um disparatado art. 25. A disposição acrescenta à lei 10.522/02 (sobre o cadastro informativo de créditos de órgãos e entidades federais, o Cadin) os arts. 20-A, 20-B, 20-C e 20-D. Basicamente, há algumas modificações procedimentais a respeito de recuperação de débitos.

Agora, por exemplo, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional tem mais um suporte legislativo para protestar em cartório as dívidas, o que se alinha à decisão do STF que entendeu constitucional essa medida extrajudicial (ADIn 5.135/DF). Sempre houve dúvidas relativas ao enquadramento da CDA no art. 1º da lei de protesto (lei 9.494/97), cujo texto menciona ''outros documentos de dívida''. Com uma mudança legislativa em 2012, acrescentou-se um parágrafo único a esse art. 1º, para incluir expressamente, como títulos protestáveis, as certidões de dívida ativa. As discussões, contudo, não arrefeceram3 . A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pela Confederação Nacional da Indústria, para quem a medida configuraria coação política do devedor. O próprio STF, como se sabe, tem enunciados sumulares que explicitam a vedação de atos de coação política contra o contribuinte (súmulas 704 , 3235 e 5476 ), mas no caso entendeu-se não haver tal coação.

Não existe aí propriamente uma novidade. É óbvio que a execução fiscal não é tão rápida e eficiente quanto o protesto. O que o STF decidiu foi que essa prática de eficiência, arduamente defendida pela AGU em uma linha de argumentação quase que exclusivamente utilitarista, não fere direito constitucionalmente assegurado (a livre iniciativa, no caso). Além disso, a decisão desse caso fortalece o entendimento de que diversas formas de cobrança extrajudicial podem conviver com a Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/80), robustecendo assim a tendência contemporânea de diversificação e agilização nas cobranças.

O problema da lei 13.306/18 é que, em meio à burocracia ilustrada, curiosíssima face do afã desjudicializador (e a desjudicialização no Brasil é um mandamento, que se vai desenhando como o primeiro do decálogo jurídico nacional, no melhor estilo ''desjudicializarás a qualquer custo''), avulta um polêmico art. 20-B.

fonte: Migalhas

News

CADASTRE-SE AGORA PARA RECEBER AS NOVIDADES!

Fale Conosco