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Martignoni, De Moraes e Todeschini Advogados Associados

É válida a indisponibilidade de bens sem ordem judicial?

O art. 25 da Lei n.º 13.606/18 estabeleceu um conjunto de procedimentos prévios ao ajuizamento da execução fiscal federal, por meio da inclusão dos artigos 20-B, 20-C e 20-E na Lei n.º 10.522/02, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (Cadin).

Em resumo, o legislador ordinário instituiu o procedimento de intimação dos contribuintes, após a inscrição em dívida ativa, para pagamento “voluntário” da dívida atualizada com todos os encargos legais no prazo de 5 dias, sob pena de: (i) inscrição do contribuinte em órgãos de proteção ao crédito, como Cadin, Serasa, SPC etc.; e (ii) averbação da certidão de dívida ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

Até a edição dessas novas regras, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) costumava intimar o contribuinte, após a inscrição em dívida ativa, para pagamento do débito no prazo de 75 dias, sob pena de inscrição no CADIN e ajuizamento da respectiva execução fiscal.

As referidas alterações chamam a atenção em razão da sensível redução do prazo para pagamento “voluntário” dos débitos inscritos em dívida ativa e, em especial, pelos procedimentos de indisponibilização de bens.

Até o momento, a indisponibilização de bens era restrita a duas situações: (i) na medida cautelar fiscal, desde que preenchidos os requisitos legais (Lei n.º 8.397/92), tais como: ocultação, insolvência, dilapidação do patrimônio, endividamento superior a 30% do patrimônio conhecido, inaptidão do contribuinte etc.; e (ii) na penhora da execução fiscal (Lei n.º 6.830/80) no caso de não pagamento e/ou garantia da execução.

Como se percebe facilmente nessas duas situações a indisponibilidade somente poderia ocorrer em caso de ação judicial proposta pelo Fisco contra o contribuinte, sendo imprescindível a intervenção do Poder Judiciário, o que não se verifica nessa nova medida.

Nesse ponto, é importante ainda lembrar que a legislação tributária prevê o arrolamento de bens (Lei n.º 9.532/97), contudo, somente, no caso de dívida fiscal superior a 30% do patrimônio conhecido do contribuinte. No entanto, o arrolamento de bens, diferentemente deste novo procedimento, não dá ensejo à constrição de bens, mas apenas ao seu arrolamento, sendo que os bens arrolados podem ser transferidos, alienados ou onerados, desde que o fato seja antecipadamente comunicado à autoridade fazendária.

A averbação criada pela Lei n.º 13.606/18 ainda se diferencia da inscrição no Cadin e da possibilidade de protesto da CDA, considerados “legais” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que esses procedimentos não causam qualquer indisponibilidade (constrição) de bens do contribuinte.

Feito esse paralelo entre o procedimento de averbação e as medidas já previstas no ordenamento jurídico, não há dúvidas de que essa nova regra esbarra em preceitos constitucionais e legais, o que poderá resultar na sua judicialização, de forma a proteger os direitos e as garantias dos contribuintes.

Isto porque, de plano, já se verifica a violação ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que a mera inscrição em dívida ativa poderá causar à indisponibilidade de bens do contribuinte, sem considerar qualquer outro fator, inclusive, o seu direito de escolher a forma pela qual deseja garantir o débito para discuti-lo em sede em embargos à execução fiscal.

Sob esse aspecto e com base no direito de propriedade, é importante lembrar que o STF já se manifestou quanto à inconstitucionalidade de medidas fiscais que se revestem de restrições abusivas, limitadoras do livre exercício da atividade econômica (“sanções políticas”), como meio coercitivo para o pagamento de tributos (ARE 917.191).

Nesse sentido, verifica-se também que esse novo procedimento esbarra no princípio constitucional do devido processo legal, pois a indisponibilização dos bens, da forma como prevista na lei, ocorrerá à margem do Poder Judiciário, diferentemente do que ocorre na medida cautelar fiscal e na própria execução fiscal.

Nesse ponto, é importante destacar que o Código Tributário Nacional (CTN), recebido com status de Lei Complementar, no seu art. 185-A, reserva ao juiz o direito de determinar a indisponibilidade de bens e direitos do contribuinte, o que não é respeitado pelo art. 25 da Lei n.º 13.606/18.

E nem se alegue que o referido procedimento é complementar à regra prevista no caput do art. 185 do CTN, que trata da fraude à execução fiscal, até porque o próprio parágrafo único do referido dispositivo estabelece que a presunção de fraude não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao pagamento da dívida.

Anote-se que a indisponibilidade de bens tratada no art. 185-A do CTN já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo (tema 714), sendo, inclusive, objeto da súmula n.º 560, e, em ambos os julgamentos, determinou-se que a atuação do Poder Judiciário e a realização (exaurimento) de diligências em busca de bens penhoráveis são condições imprescindíveis para a indisponibilidade de bens, o que demonstra, uma vez mais, a ilegalidade e a inconstitucionalidade do procedimento instituído pela Lei n.º 13.606/18.

Além dos princípios constitucionais acima comentados e da violação expressa ao CTN, a norma poderá ser questionada também por violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, bem como da legalidade estrita.

Portanto, ainda que pendente de regulamentação e normatização pela PGFN, é certo que os contribuintes poderão recorrer ao Poder Judiciário para evitar a indisponibilidade de seus bens, caso ações em controle concentrado de constitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) (ADI n.º 5.881), não impeçam liminarmente a aplicação do aludido procedimento.

fonte: O Estadão

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