Corte de justiça européia decide que o registro da sola vermelha dos sapatos Christian não viola as regras de registro de marca

CONTEXTO FÁTICO E JURÍDICO

Christian Louboutin registrou em 06 de janeiro de 2010 no Instituto Benelux de Propriedade Intelectual a marca dos seus sapatos. A representação da marca ocorre da seguinte forma: Tal marca foi registrada da seguinte maneira: “«A marca consiste na cor vermelha (Pantone 18‑1663TP) aplicada na sola de um sapato como a representada (os contornos do sapato não fazem parte da marca, mas servem para evidenciar o local da marca)”.
Em 2013, todavia, o registro foi modificado para especificar que os sapatos concernentes seriam os de salto alto.
Por outro aspecto, a Van Haren, marca dos Países Baixos, vendeu durante 2012 sapatos de salto alto com a sola na cor vermelha.
Nesse sentido, a Christian Louboutin intentou uma ação de contrafação contra a Van Haren no Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos. Diante da revelia da ré, a sentença julgou a demanda totalmente procedente.
No entanto, a Van Harren recorreu ao tribunal de segunda instância, argumentando que o registro da marca é nulo, pois contrário ao artigo 2.1, nº2, da Convenção Benelux em razão de o sinal registrado ser constituído por uma forma imposta pela própria natureza do produto .
O tribunal de segunda instância ponderou a questão, considerando que os consumidores distinguiam o produto de Christian Louboutin pela cor da sola dos sapatos. Ademais, isso motiva a aquisição do produto em razão do papel de distinguir seu produto dos demais.
O tribunal, no entanto, hesita quanto Á legalidade do registro, pois a sola do sapato faz parte da natureza do próprio produto. Nesse sentido, o registro de tal marca violaria o artigo 3.1, alínea a, da Diretiva 2008/95 que aproxima a legislação dos Estados-Membros da União Europeia em matéria de marcas:
«1. Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efetuados, os registos relativos:
[...]
e) A sinais constituídos exclusivamente:i) pela forma imposta pela própria natureza do produto, ou
ii) pela forma do produto necessária Á obtenção de um resultado técnico, ou
iii) pela forma que confira um valor substancial ao produto;
[...]»
Assim, o tribunal suspendeu o processo e enviou questão prejudicial para a Corte de Justiça da União Europeia buscando saber se o conceito “forma” utilizado no artigo é limitado a características tridimensionais do produto ou é extensível também a outras não-tridimensionais, como a cor?
Em outras palavras, o problema jurídico proposto é se a cor faz parte da forma do produto. No caso de se enquadrar no conceito de “forma”, a marca registrada por Christian Louboutin é nula, pois fará parte da natureza do produto.
Para examinar a questão, primeiramente, é necessário verificar se a Diretiva é aplicável (I) e, então, estudar sua violação pelo registro pretendido (II).I. DA APLICAÇÃO DA DIRETIVA 2008/95 SOBRE MARCAS
Para analisar a aplicação da diretiva, necessário começar pelo seu campo de aplicação (A) e, após, verificar a disciplina específica da diretiva em relação ao problema apresentado (B).A – CAMPO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA
No que concerne ao campo de aplicação material, a diretiva aplica-se a “a todas as marcas de produtos ou de serviços que tenham sido objeto de registo ou de pedido de registo, como marca individual, marca coletiva ou marca de garantia ou de certificação”, nos termos do artigo 1ºda dita diretiva.
Nesse sentido, no caso em tela, trata-se de marca de produto que foi objeto de registro, portanto, satisfeito o campo de aplicação material.
Em seguida, a segunda parte do artigo 1ºmenciona o campo de aplicação espacial da diretiva: “um Estado-Membro ou no Instituto Benelux da Propriedade Intelectual, ou que tenham sido objeto de um registo internacional com efeitos num Estado-Membro”.
Assim, como a demanda de registro de marca foi feita no Instituto Benelux, o caso se inclui no campo espacial da diretiva.
Ainda, sendo tal diretiva de 22 de Outubro de 2008; como o registro foi demandado em 2010, o campo de aplicação espacial está satisfeito.
Satisfeitos os critérios gerais para aplicação da diretiva, necessário analisar o regime especial em relação Á problemática.
B- REGIME ESPECIAL DA DIRETIVA
No caso dos autos, discute-se questões a respeito da validade do registro de uma marca. Nesse sentido, a diretiva no artigo 2 descreve o que poderá ser considerado marca:
“Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”O conceito de marca, nesse caso, é fortemente relacionado a sinais que distinguem os produtos de uma empresa em relação aos de outra empresa. O artigo também precisa quais sinais seriam esses, por exemplo, a forma do produto.
O artigo 3ºda diretiva, no entanto, determina em quais casos o registro de uma marca poderá ser recusado, dentre eles se os sinais são constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária Á obtenção de um resultado técnico, ou pela forma que confira um valor substancial ao produto.
Nesse sentido, a tese da defesa para considerar que não houve contrafação é que não se poderia registrar a pintura de uma sola como marca, pois isso constituiu uma forma que faz parte da natureza do produto.
O debate, nesse caso, concerne ao conceito de forma, uma vez que a diretiva não fornece uma noção a ser adotada.II. DA NÃO-VIOLAÇÃO DA DIRETIVA 2008/95 SOBRE MARCASA não-violação da diretiva decorre da exclusão de formas não-tridimensionais do conceito de forma (A) e tal decisão possui grande importância nos futuros registros de marca (B).A) DO CONCEITO DE “FORMAS” NO ÂMBITO DA DIRETIVAA Corte de Justiça Europeia, para atribuir definições aos instrumentos europeus, utiliza o critério da utilização corrente da palavra. Nesse sentido, a forma poderia ser entendida como o “um conjunto de linhas ou de contornos que delimita o produto em causa no espaço” no ramo da propriedade intelectual.
Isso demonstra que a cor não está incluída em tal conceito, haja vista inexistir delimitação de espaço. Todavia, a corte prossegue o raciocínio no sentido de se questionar se uma cor em um local exclusivo do produto poderia ser interpretada como forma.
Ocorre que, no caso em tela, o registro da marca em análise exclui expressamente a forma e os contornos, estando incluída tão-somente a cor.
Seria possível hesitar em relação ao fato de os sapatos adotarem sola inclinada em razão do salto alto, constituindo-se uma forma. Todavia, a lógica da adoção do salto alto é justamente evidenciar a cor, que é uma marca registrada.
Por essas razões, o conceito de forma utilizado no artigo 3 da diretiva exclui a cor. Assim, a Corte de Justiça da União Europeia considerou que o registro dos sapatos de Christian Louboutin não viola o regime da diretiva.
Tal decisão é importante não apenas para as partes concernentes, mas também para outras demandas de propriedade intelectual.II – DOS REFLEXOS DA ADOÇÃO DO CONCEITO DE “FORMAS”Conforme mencionado, a diretiva analisada possui um amplo campo de aplicação material e espacial. Ainda, tal instrumento não previu o conceito de “formas” a ser adotado.
Nesse sentido, considerando que as respostas a questões prejudiciais da Corte de Justiça da União Europeia possuem caráter vinculativo, o conceito de forma passará a ser adotado.
Isso é bastante relevante, haja vista que diversos produtos são distinguidos pela cor utilizada. Por exemplo, a marca Tiffany & Co recebeu, inclusive, uma identidade do tom de azul utilizado, conhecido como “azul Tiffany”. Ademais, pode-se imaginar no ramo de produtos de limpeza que o rosa da Vanish, inclusive, é motivo para publicidade da marca “confie no rosa”.
O registro de cores, mesmo que em determinado local do produto, não viola o resultado útil e nem técnico do produto, como ocorre com a forma.