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As Regras de Licitação e o Novo Coronavírus
O Senado Federal aprovou (em 16/07) a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 926/20, de iniciativa do Poder Executivo, que flexibiliza regras de licitação para o enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus. A medida segue para sanção do Presidente da República.
Em síntese, a MP 926/20 permite a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da Covid-19. Por meio da medida, ainda, presumem-se atendidas as condições de (I) situação de emergência; (II) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; (III) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e (IV) limitação da contratação Á parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.
Entre outras flexibilizações, se admite a apresentação de termo de referência simplificado, que basicamente conterá o objeto da contratação; a exposição fundamentada dos motivos que a justificam; os requisitos, critérios de medição, estimativas de preço e pagamento.
Também se dispensará, caso haja restrição de fornecedores, a apresentação de documentação relativa Á regularidade fiscal e trabalhista, permitindo-se, inclusive, caso se demonstre ser o único fornecedor do bem ou serviço em questão, a contratação de empresas cuja inidoneidade foi declarada ou esteja suspensa de licitar.
Por fim, a medida reduz, pela metade, os prazos de licitações pela modalidade de pregão, eletrônico ou presencial.
A medida não chega a ser uma grande novidade, já que a legislação, há tempos, prevê a possibilidade de dispensa de licitação quando se trata de situações de emergência, conforme Lei n. 8.666/93 e 13.303/2016.
Diante da recorrência do tema, a doutrina passou a conceituar “situação de emergência”. Assim, fixa Hely Lopes Meirelles[1]:
“A emergência caracteriza-se pela urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízos ou comprometer a incolumidade ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, exigindo rápidas providências da Administração para debelar ou minorar suas consequências lesivas Á coletividade.”
No mesmo sentido, leciona José dos Santos Carvalho Filho[2]:
“[...] caracterizar-se pela urgência no atendimento, de modo que não causem prejuízo ou comprometam a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens públicos ou particulares.”
Portanto, a doutrina[3] consagrou a possibilidade da dispensa de licitação quando o tempo necessário para realização do procedimento licitatório for incompatível com a urgência da contratação e do interesse público.
Este entendimento é referendado pelo Tribunal de Contas da União[4] (TCU), que caracteriza a contratação emergencial, sobretudo, pela necessidade da não interrupção dos serviços. Isto é, demonstrado pelo gestor público a impossibilidade da realização do procedimento licitatório, diante do elevado risco que a demora do ato acarretaria, permite-se a contratação direta[5].
Desse modo, conclui-se que os gestores públicos já estavam autorizados a promoverem a contratação direta em casos específicos que exigissem uma resposta rápida e eficaz, sob pena de responderem pela falta de planejamento e possíveis danos que sua inércia tenha causado[6].
De toda forma, a conversão da medida provisória em lei vem para autorizar expressamente e desburocratizar, ainda mais, a contratação direta em casos relacionados ao enfrentamento do novo coronavírus.
Contudo, recomenda-se cautela ao gestor público na utilização desta modalidade de contratação, mantendo-se próximo aos princípios gerais da administração pública, como da moralidade, isonomia, impessoalidade, entre outros dispostos no artigo 37 da Constituição Federal[7].
Ademais, a contratação direta, além das características e requisitos dissertados, tem caráter transitório[8] e deve ser pertinente[9] ao caso concreto, as custas de esvaziar o ato praticado.
Nesse sentido, cabe transcrever trecho do julgado n. 1217/2014 do TCU, de relatoria da Min. Ana Arrares:
Para caracterizar situação emergencial passível de dispensa de licitação, deve restar evidente que a contratação imediata é a via adequada e efetiva para eliminar iminente risco de dano ou de comprometimento da segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
[...] além do cenário de urgência, a contratação direta deve se restringir aos bens necessários ao atendimento da situação calamitosa
Assim, a medida será válida sempre que se mostrar necessária e hábil a afastar o risco iminente.
Anota-se, por fim, a redução dos prazos referentes Á licitação por pregão, virtual ou presencial.
A respeito da modalidade, cumpre lembrar que a mesma se mostra igualmente célere e desburocratizada ao passo que também oportuniza que particulares concorram para sua contratação, em maior afinidade com os ditames da administração pública.
Conclui-se, assim, que a medida legislativa vem para facilitar as ações dos gestores públicos no enfrentamento Ás situações decorrentes do novo coronavírus, mostrando-se pertinentes ao período em que vivemos.
[1]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 253
[2]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas; 2017, ´p. 190.
[3]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; 2017, p. 540.
[4]Acórdão 1138/2011- Plenário, Rel. Min. Ubiratan Aguiar.
[5] Acórdão 1130/2019-Primeira Câmara, Rel. Min. Relator Bruno Dantas
[6] Acórdão 1022/2013-Plenário, Rel. Min. Ana Arraes
[7] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis Á garantia do cumprimento das obrigações.
[8] Acórdão 2988/2014-Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler
[9] Acórdão 1987/2015-Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler