A proteção de direitos intelectuais na China

Não podemos nos iludir, a gigante vermelha está de olhos abertos para a pirataria. Está no imaginário popular que a China é uma grande fábrica de produtos contrafeitos (pirateados) para o resto do mundo, preocupando-se pouco ou quase nada com a garantia de direitos de propriedade intelectual.

Embora as acusações de falta de fiscalização da China na proteção dos direitos de Propriedade Intelectual sejam historicamente respaldadas- sendo esse inclusive um dos combustíveis para a guerra comercial que arde entre EUA e China- o poder público chinês tem adotado posturas para garantir a proteção da inovação no país, inclusive aquela que vem de fora.
Nesse contexto, no final de 2019 foi dada nova redação ao artigo 4ºda Lei de Marcas, o qual prevê a negativa de pedidos marcas desacompanhados da intenção de exploração do signo, o que surgiu para favorecer marcas estrangeiras que têm ampla evidência de sua reputação no país, mas não conseguem provar sua fama, geralmente porque ainda não entraram no mercado chinês.
A nova redação de lei significa uma grande exceção ao princípio do “first come, first served”, ou seja, “o primeiro que chegar leva”, mostrando um verdadeiro esforço das autoridades em barrar pedidos de marca cuja única intenção seja a posterior cessão/licença para o verdadeiro utilizador da expressão de marca.
Para situar o leitor e traçar uma breve comparação, no Brasil, o depositário de um pedido de marca tem o prazo de 5 anos para começar a explora-la, sendo que a sua mera declaração de exploração serve ao INPI, inexistindo análise profunda sobre a “intenção” do postulante da marca.
É de se ressaltar que a mudança não se dá somente no âmbito do legislativo, mas também se vêm mudanças na enérgica proteção conferida pelo judiciário chinês, o qual também está em constante evolução.
De forma inédita, o Supremo Tribunal Popular da China (STP) decidiu a favor de Michael Jordan e da New Balance em disputas de direitos de Propriedade Intelectual recentes.
Ao que tudo indica, o país tem encarado as demandas internacionais sobre uma maior proteção da propriedade intelectual de forma positiva, visando transformar seu ambiente de PI para criar condições equitativas para players nacionais e estrangeiros, como podemos denotar de algumas recentes decisões, vamos para uma delas.

O caso Jordan
A saga entre Michael Jordan (“Jordan”), cinco vezes o jogador mais valioso da NBA, e a Qiaodan Sports (“Qiaodan”) é um dos principais exemplos da resolução dada aos conflitos de marca no país.
A Qiaodan, empresa esportiva da província de Fujian, começou a registrar uma série de marcas, incluindo o sobrenome de Michael Jordan traduzido para o chinês, uma silhueta segurando uma bola de basquete que supostamente se parecia com ele, sua camisa aposentada número 23 e, posteriormente, e, mais notoriamente, a transliteração chinesa dos nomes dos dois filhos de Jordan, Jeffrey e Marcus.
A batalha jurídica entre as empresas começou em 2012. Jordan alegou que Qiaodan era uma free-rider (ou uma “caroneira”) e induziu os consumidores chineses a acreditarem que a marca era relacionada ou endossada por ele.
Em defesa contra as tentativas de invalidação de Jordan, os advogados de Qiaodan criativamente argumentaram que o atleta com o logotipo da silhueta da marca segura em sua mão esquerda uma raquete de Ping-Pong ao invés de uma bola de basquete. Além disso, eles argumentaram que “乔丹” não se refere a Michael Jordan, mas na verdade carrega significados diferentes.
A parte mais complicada do caso está no próprio nome “Qiaodan”.
Quando Michael Jordan se tornou conhecido na China no final dos anos 80, a mídia chinesa se referiu a ele como “乔丹”, que é a transliteração da palavra Jordan e pode ser “romanizado” em chinês como “Qiaodan”.
Enquanto Jordan alegava que a Qiaodan roubou seu nome e obteve lucros ilícitos com sua fama, a empresa rebateu, alegando que “乔丹” era apenas uma das muitas maneiras de traduzir a palavra Jordan para o chinês. Há suporte para essa afirmação: a mídia em Taiwan e Hong Kong, ambos de língua predominantemente chinesa, se referem a Jordan de forma diferente, como “喬登” e “佐敦”.

Desde o início da disputa judicial, as partes entraram com mais de 80 ações e reconvenções.
Michael Jordan reivindicou com sucesso alguns de seus direitos, como na decisão da Suprema Corte de 2016, que manteve seu direito de nomeação como “乔.
Mas Jordan também perdeu muitos casos, sendo o mais significativo em 2017, quando a Suprema Corte manteve o direito de Qiaodan de usar seu logotipo em preto e branco sem a palavra “乔丹”.
Em março de 2020 o Supremo Tribunal Popular da China deu procedência para o pedido de Jordan para anular uma marca do portfólio da Qiodan nos seguintes termos: “o signo ’乔丹’ goza de fama na China e é famosa entre o publico chinês. No país é recorrente o uso de ‘乔丹’ para se referir a Michal Jeffrey Jordan. ‘乔丹’ e ‘Michael Jeffrey Jordan” têm mantido, portanto, uma relação de referência estável entre si”.
O caso demonstra a preocupação do país para com celebridades estrangeiras e grandes empresas cujo nome chinês foi traduzido por outra empresa ou pessoa na China, mostrando que o país vem se adequando aos padrões internacionais ao de fato conferir proteção aos ativos de propriedade intelectual de foraTexto original publicado por Albert Tsui em https://www.inta.org/perspectives/michael-jordan-new-balance-victories-optimal-timing-for-foreign-brands-in-china.
Fig: 1: Comparação entre a marca de Michael Jordan (em preto) com a marca da empresa Qiaodan (em vermelho).