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A arbitragem no Brasil - De desconfiança a tendência na resolução de conflitos
A cultura do litígio e a adoção das vias tradicional de resolução de conflitos, por meio do qual um juiz do Estado resolve os conflitos entre as partes com uma sentença, encontram-se bastante enraizadas no Brasil. O Poder Judiciário terminou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação , acarretando em despesas consideráveis tanto do tempo quando do dinheiro público quanto privado.
COMO FUNCIONA O PROCEDIMENTO?
A arbitragem é um método fora do judiciário focado na solução de conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles que possuem valor econômico e são passíveis de transação (podem ser negociados). Não compreende, portanto, matérias como direito de família, sucessão, contravenções ou crimes.
Curioso ressaltar que, dentre os métodos de resolução de conflitos, é o que mais se assemelha ao processo judicial.
Desde a promulgação da Lei 9.307/96, o instituto vem sendo bem aceito pela comunidade jurídica brasileira, haja vista a maior celeridade, confidencialidade, especialidade dos árbitros e flexibilidade do procedimento. As câmaras arbitrais levam cerca de 2 anos para solucionar seus litígios , contrapondo a morosidade do judiciário, cuja média é de quase 5 anos.
Para julgar o conflito, os envolvidos elegem um ou vários árbitros, desde que em número ímpar. A opção mais frequente é por um ou três. Via de regra, indica-se o árbitro único para questões menos complexas, até porque não se justifica o pagamento de vários árbitros para um problema de simples solução. Quando a escolha é de três árbitros, normalmente cada parte escolhe um profissional, sendo o terceiro indicado em comum acordo ou por decisão dos demais árbitros, sendo os casos discutidos de maior complexidade, normalmente.
Os árbitros, por sua vez, não precisam ter necessariamente formação jurídica, sendo na maioria das vezes escolhidos em razão da sua experiência profissional, de sua reputação no mercado e da confiança que gozam entre os litigantes. Assim, por exemplo, se as partes pretendem solucionar um conflito envolvendo uma construção defeituosa, é mais adequado escolher um engenheiro civil, porquanto este possui conhecimentos mais técnicos na área e, consequentemente, poderá conduzir o litígio de forma mais esclarecedora.
É dever dos árbitros não divulgarem os casos em que atuam, com a finalidade de preservar a identidade dos envolvidos na demanda. Sua sentença constitui um título executivo judicial, como se uma sentença judicial fosse, conforme dispõe o artigo 515, inciso VII, do Código de Processo Civil, devendo ser cumprida sob pena de poder vir a ser executada mediante utilização do poder coercitivo do judiciário.
As partes interessadas podem submeter a solução dos seus litígios ao juízo arbitral mediante Á inserção de uma cláusula compromissória ou por meio do compromisso arbitral. A primeira delas é uma cláusula contratual elaborada no momento da contratação do negócio, a qual estabelece que as partes contratantes, em caso de conflito acerca da aplicação do contrato, submeterão a discussão Á apreciação de determinado árbitro que decidirá a pendência. De outra parte, o compromisso arbitral se aplica após as partes terem firmado o contrato, podendo ser inclusive convencionado no curso do processo judicial, sendo neste último caso o próprio magistrado quem nomeará o árbitro.
Quanto ao modelo do procedimento arbitral, são duas opções. No modelo institucional, as partes escolhem uma câmara de arbitragem, aderindo ao regimento interno e regras de funcionamento dessa instituição durante o processo de arbitragem. Por conseguinte, utilizam-se da infraestrutura do local e dos serviços, como secretaria e tesouraria. Após o aceite do árbitro, realiza-se uma audiência inicial, assinando, ao final desta, o termo de arbitragem que estabelece todas as regras do procedimento a ser seguido. É possível, em tese, alterar pequenas questões procedimentais em comum acordo com a instituição arbitral.
A arbitragem ad hoc, por sua vez, é uma arbitragem sem qualquer apoio institucional, dependendo exclusivamente da cooperação entre os litigantes, que devem designar o árbitro ou os árbitros. O regulamento será decidido em comum acordo, caso as partes assim desejarem. Na hipótese de inexistir interesse, a incumbência será delegada ao árbitro encarregado. As reuniões e audiências da arbitragem ocorrem em qualquer lugar físico convencionado e, em razão disso, na maioria das vezes, o procedimento acaba sendo menos custoso, uma vez que não há secretariado institucional a se arcar.
CONSOLIDAÇÃO E PERSPECTIVA DE CRESCIMENTO
Passados mais de 20 anos da vigência da Lei 9.307/1996, a arbitragem está consolidada no Brasil. Hoje, temos no país uma comunidade numerosa e competente de árbitros e advogados especializados. As diversas instituições de arbitragem em funcionamento disponibilizam regulamentos adequados e assistência eficiente aos tribunais e Ás partes. A dúvida que existia quanto Á aceitação pelas empresas e pelo Poder Judiciário foi se dissipando com o passar do tempo.
Contudo, ainda há obstáculos a serem vencidos. O instituto é mais utilizado entre grandes empresas e grandes contratos. Por mais que seja possível identificar disputas cujos valores não são expressivos, esses casos ainda são minoria. De igual forma, é possível identificar campos férteis pouco explorados, como o da administração pública. Para atingir novos horizontes, a arbitragem terá que se reinventar, o que parece ser um desafio trivial se considerarmos a constante evolução do instituto nos últimos anos.