Procedimentos de reestruturação empresarial

O desejo do legislador de que as partes resolvam (ou ao menos busquem) extrajudicialmente seus conflitos não é de hoje – já em 1850 havia determinação de que nenhuma causa comercial seria proposta em juízo contencioso, sem que previamente fosse tentada a conciliação (art. 23, do Decreto 737).

Ao passar dos anos, mesmo que timidamente, essa intenção foi sendo pouco a pouco registrada nas leis vigentes.

O Código de Processo Civil de 1973 determinava que o juiz, de ofício (ou seja, sem pedido de qualquer parte do processo), designaria audiência com o fim conciliatório, incentivando a composição do litígio.

Com a reforma de 2015, o diploma processual adotou com ênfase este espírito. Logo no seu artigo 3º, consta que os “métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos, membros do ministério público”, o que é reiterado pelo artigo 139.

Os estímulos Ás soluções autocompositivas não partem apenas do legislativo. Ainda em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 125, a qual criou políticas para resolução consensual de conflitos. A utilização destes métodos também foi recomendada em processos de recuperação judicial, por meio do Enunciado n. 45/2016 da 1ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios e da Recomendação n. 58/2019 do CNJ.

Neste contexto, a Lei de Recuperação Judicial, a partir das alterações promovidas pela Lei 14.112/2020, passa a formalmente incentivar a conciliação e a mediação como meio para resolução de conflitos, conforme a nova Seção II-A. Estes estímulos não se limitam a sugestões ideológicas. Com a nova redação, a empresa em crise que buscar conciliar com seus credores verá suspensas as execuções existentes contra si pelo prazo de 60 dias, na hipótese de apresentar pedido de tutela de urgência cautelar (§1º, do artigo 20-B, da Lei 11.101/05).

É necessário, no entanto, que as empresas tenham cautela e seriedade na adoção destas medidas. É desaconselhável que busquem a negociação antecedente com fins maliciosos ou protelatórios. Isto porque, além de desvirtuar os objetivos legais, criando um ambiente hostil e desfavorável com seus credores, a lei prevê que aqueles 60 dias utilizados nas rodadas de mediação serão descontados do prazo de suspensão de eventual pedido de recuperação judicial.

Determina, ainda, que caso a devedora requeira recuperação judicial ou extrajudicial em menos de 360 dias, contados do termo de conciliação ou mediação, tal pedido conduzirá automaticamente a resolução do acordo firmado, com a reconstituição dos direitos e garantias dos credores. Em suma, o que a Lei não quer é que as empresas utilizem este procedimento para fins protelatórios ou como artimanha para prejudicar credores.

Neste último caso, não se trata de protecionismo aos credores, mas sim de medida que visa coibir comportamento malicioso do devedor. Caso essas previsões não existissem, estaria autorizado que devedoras negociassem com credores, reduzindo as obrigações, para nová-las a partir do plano de recuperação. Ou seja, aplicar-se-ia sucessivos descontos, um negociado, outro imposto.

De qualquer sorte, as devedoras que genuinamente promoverem negociações antecedentes devem estar cientes que a negociação pode ser inexitosa. Os credores, nesta etapa, não estão obrigados a conceder prazo, carência ou deságio aos devedores.

Mesmo assim, a iniciativa de chamar Á mesa seus credores, negociar e buscar uma solução conjunta contribui significativamente com o sucesso de eventual pedido de recuperação judicial, porquanto antecipa o diálogo entre as partes – que costuma ser postergado para a assembleia de credores - permitindo que a empresa, já sabendo das pretensões dos interessados, trace os meios de reestruturação adequados ao caso, apresentando plano de recuperação judicial condizente com as expectavas das partes e com sua realidade financeira.

Outro ponto positivo destes procedimentos é a baixa exposição das devedoras. Ao se valer de negociação antecedente, ou até mesmo de recuperação extrajudicial, as empresas não carregam consigo os indesejados estigmas de um processo de recuperação judicial.

Além da manutenção da imagem da empresa perante o mercado, somam-se positivamente a estas práticas a simplicidade e o baixo custo destes procedimentos. Diferente de um processo de recuperação judicial, em que há inúmeros requisitos, ritos e procedimentos obrigatórios, que tornam o processo complexo, caro e demorado, estes expedientes têm procedimento simplificado, de custo baixo e sem qualquer risco de convolação em falência.

A exemplo do alegado, para os processos de recuperação extrajudicial a lei dispensa a nomeação de administrador judicial e a realização obrigatória de assembleia geral de credores, reduzindo, ainda, a publicação de editais, exigindo apenas o edital que antecede a homologação do plano de recuperação apresentado pela recuperanda e aceito pelos credores.

Em relação aos custos, cumpre citar que, apenas com a remuneração do administrador judicial, a empresa deixa de arcar com verba equivalente a até 5% do seu endividamento (remuneração do administrador judicial, a qual é fixada pelo juiz até esse patamar). Não se pode olvidar que as empresas que utilizam os procedimentos recuperatórios, judicial ou extrajudicial, geralmente, chegam nesta fase com endividamento tão alto a ponto de prejudicar a operação da empresa. Assim, reduzir custos é essencial para o sucesso da reestruturação.

Em relação ao procedimento da recuperação extrajudicial, basicamente, a devedora busca seus credores, no todo ou em parte (classe ou condição específica), negocia com eles, elabora um plano de pagamento e submete Á adesão. Os credores deliberam e anuem ou não ao plano proposto. Havendo aprovação mínima de mais de 50% dos créditos de cada classe ou grupo, o plano é homologado judicialmente, impondo seus termos aos credores dissidentes, privilegiando a coletividade de credores em detrimento Á particularidade.

Entretanto, caso não haja aderência necessária para homologação do plano, é facultado ao requerente a conversão do procedimento em recuperação judicial. Optando por não converter em recuperação judicial, encerra-se o processo com o indeferimento do pedido. Não há, neste caso, convolação em falência.

Importante consignar que nem todos os créditos são sujeitos Á recuperação extrajudicial. Assim como ocorre na recuperação judicial, também estão excluídos os credores cujo crédito decorre de garantia fiduciária, arrendamento mercantil, adiantamento de contrato de câmbio e outros elencados no §3ºdo artigo 49 da Lei 11.101/05.

O mesmo acontece com o crédito tributário, que não pode ser transacionado ou renunciado pelo ente fiscal, em razão do disposto no artigo 152 do Código Tributário Nacional, restando Ás recuperandas a adesão aos programas de refinanciamento ou parcelamento já existentes.

No que toca aos credores trabalhistas, anteriormente afastados da recuperação extrajudicial, sua sujeição, agora, está condicionada a prévia negociação com o sindicado da categoria.É claro que os credores privados não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial podem, caso queiram, submeter-se ao plano apresentado, inexistindo óbice do ponto de vista legal.

Vale dizer, com base no que escreve Marcelo Sacramone¹, que a recuperação extrajudicial é a composição privada celebrada entre o devedor e seus credores, cujo escopo é definido conforme juízo de conveniência e oportunidade do devedor.Pelo que se verifica, as alterações promovidas pela Lei 14.112/2020 tornam benéficas e atrativas as práticas autocompositivas e extrajudiciais, pois, conforme delineado, possuem procedimento simplificado e de baixo custo, fatores que, com a impossibilidade de convolar em falência, tendem a atrair empresas em crise.


¹SACRAMONE, Marcelo. Comentários Á lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.