O que mudará a partir da vigência do Marco Legal das Startups em setembro deste ano?

O Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, assim como é mais conhecida a Lei Complementar 182/2021, foi publicado em 02/06/2021 no Diário Oficial da União e passará a entrar em vigência em setembro deste ano.

Elaborado pelo Ministério da Economia, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e o setor produtivo, a Lei busca modernizar e criar um ambiente regulatório favorável para as empresas inovadoras de menor porte, facilitando a atração de investidores, abrindo novas oportunidades e incentivando o empreendedorismo inovador.

Em síntese, estabelece condições mais favoráveis Á criação de startups no Brasil, respeitando as particularidades dessas empresas no que se refere a investimentos, a questões trabalhistas e até mesmo a questões tributárias, dando seguimento ao contexto atual de simplificação e desburocratização da regulação de diversos setores da economia.

O advento do Marco Legal das Startups pode resultar em uma importante modificação no ambiente de inovação tecnológica e de empreendedorismo no cenário nacional, e por isso é interessante conhecer os principais conceitos e mudanças trazidos pelo diploma, que vem ao encontro do fomento do empreendedorismo inovador no Brasil. Vamos analisar os pontos em destaque.

Conceito de Startup

A primeira pergunta a ser respondida é: o que será entendido por startup no Brasil?

O marco classifica como startups as empresas e sociedades cooperativas atuantes na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios, que tenham tido receita bruta de até R$16 milhões no ano anterior, e com até dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.

Há, ainda, a necessidade de atender um dos seguintes requisitos: declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

Cumpridos os requisitos, poderá o empresário declarar no ato constitutivo da empresa, ou alterador, a declaração de que a empresa é uma startup.

Não são as startups um novo tipo de entidade jurídica, mas sim um conceito de atividade aos quais as pessoas jurídicas podem se enquadrar para usufruir das vantagens que o Marco traz ao cenário empresarial brasileiro.

Dessa maneira, o Marco define o que deve ser considerado como startup aos olhos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como de toda sociedade brasileira.

Modalidades de Investimento

Preocupado com o difícil acesso a financiamentos junto aos bancos, em razão das altas taxas de juros do mercado decorrentes do próprio perfil financeiro da maioria das startups, o Marco intenta facilitar a obtenção de recursos financeiros por meio da desburocratização e do incentivo a investimentos particulares ou públicos.

Em função disso, a Lei traz instrumentos de investimento em startups, que já eram utilizados pelo mercado, mas que tendem a garantir maior segurança jurídica a partir da inserção desses mecanismos no texto legal, como, por exemplo, contrato de investimento-anjo, debênture conversível, contrato de mútuo conversível em participação societária, estruturação de sociedade em conta de participação, dentre outros.

O Marco determina que o investidor que realizar seu aporte por meio dos instrumentos nela elencados não será considerado sócio ou acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual, mas não responderá por qualquer dívida civil, trabalhista ou tributária da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se aplicará a desconsideração da personalidade jurídica.

Significa dizer que o investidor que aportar capital que não integra o capital social da empresa não fará parte do quadro societário, nem do corpo diretivo.

Dessa maneira, o Marco estimula o investidor, pois garante seu lucro quando o empreendimento tem sucesso, e o protege do risco do negócio, por não ter de arcar com as dívidas da startup, notório negócio de alto risco e incertezas, efetivamente tornando mais atraente as startups aos olhos do potencial investidor.

As startups poderão admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes.

Especificamente, não será considerado como integrante do capital social da empresa o aporte realizado na startup por meio de:

I - contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa;

II - contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa;

III - debênture conversível emitida pela empresa nos termos da Lei nº6.404, de 15 de dezembro de 1976;

IV - contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa;

V - estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa;VI - contrato de investimento-anjo na forma da Lei Complementar nº123, de 14 de dezembro 2006;

VII - outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa.

Não obstante, o investidor poderá, sendo de sua preferência, exercer a opção de converter o aporte em participação societária em momento futuro.

Investidor-Anjo

Uma das modalidades de investimento do Marco Legal das Startups é a figura do investidor-anjo, que é o investidor, pessoa física ou jurídica, que não é considerado sócio, que não tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, que não responde por qualquer dívida da empresa (inclusive em recuperação judicial), mas que será remunerado por seus aportes.

Ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus Á remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade.

Assim, o Marco vem com o intuito de proteger os investidores-anjo de startups, sobretudo no que se refere a obrigações trabalhistas ou tributárias da empresa, pois proporciona que o investidor fique desobrigado de arcar com essas obrigações caso o negócio não dê certo, afastando qualquer tipo de responsabilidade subsidiária que possa recair sobre o investidor e, consequentemente, diminuindo os riscos do investimento.

Sandbox Regulatório

Outro aspecto interessante trazido pela Lei é o chamado Sandbox Regulatório, ou Ambiente Regulatório Experimental. Esse modelo já é utilizado em convênios celebrados pelo Ministério da Economia, banco Central (Bacen) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Sandbox Regulatório é um conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária das entidades públicas para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado, dentro de um ambiente regulatório experimental.

Na prática, o sandbox flexibiliza a capacidade regulatória do poder público nos setores nos quais as startups atuam e facilita o empreendimento tecnológico e inovador.

É claro, o intuito da legislação de estabelecer medidas de incentivo e de fomento a pesquisas de desenvolvimento de startups, haja vista que os órgãos e agências de regulação, como, por exemplo, o Banco Central, tendem a aplicar regimes diferenciados, afastando incidência de normas sob sua competência em relação Á entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.

Com a introdução do Marco, a utilização do sandbox se estenderá para quaisquer órgãos e entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial.

Facilidade de Contratação e Contratações pela Administração Pública

Além disso, para empresas que possuem algum interesse de investimento em pesquisa e inovação, o Marco Legal das Startups proporciona a contratação de startups através de aportes financeiros para a execução dos objetivos propostos.

Para a esfera pública, a Lei torna muito mais fácil a contratação de startups pelo Governo, pois consagra medidas que preveem maior flexibilidade para a contratação de serviços e produtos por agentes governamentais, em contraste com a legislação vigente de compras públicas burocrática e altamente específica em suas exigências.

Por exemplo, será permitido que o governo possa contratar soluções experimentais de startups em caráter de teste, em um modelo de licitação especial com vigência limitada a 12 meses, prorrogável por idêntico período. Nesses casos, o valor máximo a ser pago a essas startups será de 1,6 milhão de reais.

Além disso, caso essas soluções de inovação funcionem, o poder público poderá celebrar um contrato de fornecimento do produto, processo ou solução desenvolvida, em um contrato com vigência de 24 meses, podendo ser prorrogado por igual período, sem necessidade de um novo edital.

Conclusão

O Marco Legal, ao dar segurança jurídica Á modalidade de negócios da startup e Á captação de investimento para as empresas enquadradas, é um importante passo rumo ao desenvolvimento tecnológico e Á desburocratização, fomento e amadurecimento da atividade empresarial e ao mercado de capitais no Brasil.

Estas mudanças começarão a ser vistas no cotidiano do mundo empresarial de inovação e empreendedorismo a partir de setembro de 2021, quando iniciará a vigência do Marco Legal das Startups.

Trata-se de um grande passo Á modernização do país, uma vez que, historicamente, os grandes avanços tecnológicos e civilizatórios se dão por meio de empreitadas resultantes de parcerias público-privadas.

E, em razão da originalidade dos conceitos, as mudanças trazidas pelo advento da Lei ainda trazem muitas questões a serem esclarecidas e sedimentadas no cenário legal, tornando indispensável a busca pelo auxílio de advogados especializados no tema, o que ajudará o empreendedor a estabelecer a melhor estratégia para a criação e legalidade de sua startup, bem como orientação sobre as vantagens e riscos do investimento do ponto de vista legal.