A indenização dos honorários contratuais de advogado

A representação por advogados para resoluções de conflitos de interesses e defesas de direitos são praticamente inevitáveis ao cidadão ou empresário. Muitas são as dúvidas que surgem na contratação de um advogado, dentre elas, da possibilidade de indenização dos honorários.Os valores investidos no suporte legal de advogados ainda levantam inseguranças nas inúmeras (e potencialmente infinitas) desavenças do mundo dos negócios. Uma das perguntas recorrentes é sobre a possibilidade de ressarcimento, ou compensação, dos próprios honorários contratuais do advogado, relativos ao atendimento e representação nos casos, sobretudo aqueles com êxito.

"Quem pergunta, é idiota por cinco minutos. Quem não pergunta, é idiota para sempre"1.

Não se trata de uma pergunta boba. Muito pelo contrário, faz todo o sentido.Afinal, se uma pessoa agride a outra, gerando despesas médicas na recuperação dos ferimentos do inocente, é certo que o agressor seja obrigado a indenizar esses custos. Entretanto, a questão dos valores despendidos com profissional do Direito não tem uma resposta tão simples ou certeira.Vamos trazer a pergunta para um exemplo, para depois passarmos ao seu estudo:

Ex. João celebra contrato verbal de mútuo financeiro com Pedro - o bom e velho empréstimo de dinheiro - no total de R$ 10.000,00, a serem pagos em até 3 meses, correndo juros remuneratórios de 1% ao mês em favor de João.Entretanto, após 4 meses e inúmeras tentativas de cobrança, João não consegue recuperar o valor de Pedro.João, então, busca seu advogado de confiança, Gaio, o qual sugere o ingresso de uma ação judicial para cobrança do valor do empréstimo, acrescido de juros e correções e eventuais perdas e danos. Para representação no caso, Epaminondas propõe honorários contratuais iniciais de R$ 1.500,00, mais 10% sobre o êxito na cobrança.João pondera, então, que no mínimo dos R$ 10.040,00 que lhe seriam devidos por Pedro, 10% corresponderiam ao êxito de seu procurador, significando R$ 9.036,00 líquidos a receber. Ainda, considera em suas contas, os R$ 1.500,00 de honorários contratuais iniciais, reduzindo a recuperação econômica de João para R$ 7.536,00.Após essa constatação o questionamento inevitável é: "Dr. Gaio, e os seus honorários não podem ser indenizados/reembolsados? Não podemos pedir danos morais porque o Pedro me obrigou a ajuizar uma ação para cobrar o dinheiro que era meu? "

Antes de adentrar nas minúcias e buscar uma resposta, inclusive histórica, para esse questionamento, cabem dois esclarecimentos ao leitor:O primeiro esclarecimento é relativo aos diferentes tipos de honorários advocatícios:1) os honorários advocatícios sucumbenciais, que são aqueles estipulados por um juiz em favor do advogado da parte vencedora em processo judicial (art. 85 do Código de Processo Civil). É possível, entretanto, que representado e advogado combinem destinação diversa que não o juiz para esses valores;2) os honorários contratuais estipulados entre o representado (cliente), e o advogado, os quais levam como referência a tabela de honorários da OAB;3) os honorários "arbitrados", que são aqueles fixados pelo juiz em processo judicial quando cliente e advogado não combinam previamente os valores de remuneração, ou seja, de um certo modo, também são honorários contratuais, mas fixados por um juiz após a prestação de serviços.Nesse texto, trataremos da possibilidade da indenização relativa aos honorários advocatícios contratuais (2), em moldes semelhantes ao questionamento do exemplo de João e Pedro.O segundo esclarecimento diz respeito aos tipos de obrigações e responsabilidades civis que os sujeitos podem ser submetidos no nosso ordenamento jurídico. A rigor, existem duas fontes de responsabilidade civil:A) As que decorrem da violação de obrigação legal.B) As que decorrem do inadimplemento de obrigação em contrato. Quando se fala em "contrato" não estamos tratando necessariamente de um instrumento de contrato em "papel", já que a maior parte dos contratos não prevê forma solene para sua validade, ou seja, podem ser celebrados oralmente, tal como no exemplo de Pedro e João.A regra geral da responsabilidade civil por violação de obrigação prevista em lei (A) reside na interpretação conjunta dos artigos 186 e 927 do nosso Código Civil, que dispõe que "aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, será obrigado a repara-lo".É o caso, por exemplo, do sujeito que, por negligência, atravessa o sinal vermelho e bate o carro de outra pessoa. Atravessar o sinal vermelho é um ato ilícito, portanto, pela regra dos arts. 186 e 927, o motorista incauto é obrigado a reparar o dano do inocente, inclusive danos morais e estéticos, se decorrentes.Já a responsabilidade por inadimplemento de contrato (B) - que se aplica ao exemplo do empréstimo entre João e Pedro - está prevista no art. 389 do mesmo Código Civil, o qual prevê que "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".Tratam-se de responsabilidades pensadas e amadurecidas na sociedade e no Direito de modo separado, com prazos prescricionais, condições de exercício de direito e diversas ramificações próprias, como as responsabilidades contratuais e extracontratuais dentro do direito do trabalho, do consumidor, ambiental e assim por diante.Considerando a menção expressa do art. 389 do Código Civil ao termo "honorários advocatícios", e também tendo em vista a grande extensão do campo de estudos da responsabilidade civil aquiliana (a do tipo "A", que decorre de lei, idealizada ainda nos tempos romanos), serão tratadas apenas as possibilidades de reposição ou indenização dos honorários em casos de responsabilização contratual de natureza civil.Respondendo desde já Á pergunta, depende! Mas, via de regra, não.Os honorários contratuais avençados entre cliente e advogado não são normalmente indenizáveis perante aquele que descumpriu a sua obrigação.Ou seja, no exemplo da dívida de Pedro perante João, os honorários gastos com o advogado Gaio para cobrança judicial do débito não serão, via de regra, indenizáveis. João terá que arcar com os honorários de seu advogado, mesmo que isso signifique "sair com menos dinheiro do negócio do que quando entrou".Essa resposta simples e direta parece contradizer a letra fria da lei, não? Afinal, há menção expressa ao termo "honorários advocatícios" no texto do art. 389 do Código Civil.Para compreendermos melhor o porquê dessa resposta, precisamos voltar um pouco no tempo.A profissão de advogado teve a sua origem com a separação da religião e do direito, precisamente com a criação da Lei das XII Tábuas, no ano de 450 A.C. Somente aproximadamente 800 anos depois, na época do Império Bizantino, é que se tem registro da primeira Ordem de Advogados no Império Romano, determinando a todo advogado um registro no foro no qual as causas eram submetidas.No Brasil, as ordenações Filipinas apresentaram a advocacia para nossa sociedade. Dentro dessas ordenações, o período necessário de estudo para ser advogado era de 8 anos.Importante destacar que a advocacia brasileira no período colonial era exercida de forma livre. O indivíduo aprendia o conteúdo e depois exercia o nobre ofício conforme a prática.Ocorre que, para aprender a advocacia, era preciso cursar o curso de Direito da Faculdade de Coimbra, em Portugal, acesso tido apenas pela classe burguesa e privilegiada da época.Esses fatos corroboram para a constatação de que, desde os seus primórdios, a profissão de advogado foi exercida majoritariamente por membros da sociedade com recursos suficientes para prestar o serviço apenas pela honraria, não precisando de remuneração específica pela sua atuação.2A partir do contexto, se vê que o instituto dos honorários advocatícios nem sempre existiu na humanidade. No direito Romano, por exemplo, os honorários nunca chegaram a ser fixados, tendo em vista que na época estas despesas eram tidas como irrelevantes e os encargos deveriam ser suportados pelas próprias partes. (CHIOVENDA, 1965, p. 21).Assim, salta aos olhos que, mesmo diante do contexto atual da profissão - Á qual não está mais adstrita a poucos profissionais práticos com formação no exterior e amplas posses, tampouco Áqueles que poderiam viver da política envolvida na representação de interesses - o pagamento de honorários contratuais, mesmo sendo necessários Á remuneração do profissional, seguem difíceis de ser indenizados em favor da parte prejudicada.Como qualquer matéria objeto de lei federal, a matéria já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo que este levantou restrições Á cobrança dos honorários contratuais em ação direcionada ao perdedor, visando ressarcimentos dos valores gastos na contratação de advogado.Nesse sentido, cite-se excerto do voto da Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do EREsp 1155527/MG:

"Destarte, não obstante as considerações por mim tecidas no julgamento (...) penso que a expressão 'honorários de advogado', utilizada nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos Á atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Vale dizer, o termo 'honorários de advogado' contido nos mencionados dispositivos legais compreende apenas os honorários contratuais eventualmente pagos a advogado para a adoção de providências extrajudiciais decorrentes do descumprimento da obrigação, objetivando o recebimento amigável da dívida. Sendo necessário o ingresso em juízo, fica o credor autorizado a pleitear do devedor, já na petição inicial, indenização por esses honorários contratuais - pagos ao advogado para negociação e cobrança extrajudicial do débito -, mas, pelos motivos acima expostos, não terá direito ao reembolso da verba honorária paga para a adoção das medidas judiciais." (EREsp 1155527/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 28/06/2012)

Ainda, no mesmo sentido, cite-se entendimento doutrinário:

"Finalmente, o dispositivo em exame acrescenta os honorários de advogado ao valor indenizatório. Ao acrescentar a verba honorária entre os valores devidos em decorrência das perdas e danos, parece que o legislador quis permitir que a parte prejudicada pelo inadimplemento possa cobrar o que despendeu com honorários, seja antes de ajuizar a ação, seja levando em conta a diferença entre aquilo que contratou com seu cliente e aquilo que foi arbitrado a título de sucumbência. Não se pode supor ele tenha feito menção a essa verba apenas para os casos de ajuizamento da ação, quando houver a sucumbência, pois, nessa hipótese, a solução já existiria no art. 20 do CPC/73 (arts. 82, §2º, e 85, §17, do CPC/2015) e não é adequada a interpretação que concluiu pela inutilidade do dispositivo. As dificuldades apontadas para a incidência deste dispositivo tampouco preocupam. Se o credor contratar um advogado que resolveu extrajudicialmente sua questão, ao obter indenização por perdas e danos sem necessidade de ingressar em juízo, haverá prejuízo para ele se da quantia obtida tiver que deduzir os honorários devidos ao profissional. Por isso é que a disposição se revela adequada: para que a indenização devida ao credor, vítima do inadimplemento, seja plena, sem necessidade de dedução dos honorários da atuação extrajudicial. Caso o valor dos honorários contratados pelo credor se revele exagerado, haverá abuso de direito (art. 187) e só se reconhecerá a ele o direito ao pagamento de honorários adequados ao que usualmente se paga por atividades daquela espécie - indicada, inclusive, pela Tabela de Honorários da OAB. Nem se imagine que o fato represente novidade no sistema indenizatório. Diariamente, condenam-se causadores de danos a indenizar o valor dos honorários médicos, que também se sujeitam Á verificação de sua razoabilidade. Idêntico tratamento merecerão os honorários de advogado. " (BDINE JR, HAMID CHARAF in Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 10. ed. Barueri, SP. Manole, 2016. p.367 - ênfases nossas)

Do teor do voto da ministra Nancy Andrighi, que já celebra mais de 10 anos de existência, extrai-se o seguinte: os honorários da fase de cobrança extrajudicial até seriam indenizáveis, mas os honorários contratuais despendidos para ingresso de ação, não.Os fundamentos para a decisão: 1) os honorários sucumbenciais existem exatamente para atender a esse anseio, qual seja, de onerar a parte perdedora do processo judicial com as respectivas custas e honorários; 2) o contrato celebrado entre advogado e representado gera obrigações entre as partes, ou seja, não seria justo opor uma obrigação entre dois para um terceiro (princípio da relatividade dos contratos).Infelizmente, a matéria não foi devidamente pacificada até então, mesmo que submetida Á Corte competente para tanto, o STJ. Assim, no julgamento do REsp 1644890, embora o Ministro Villas Bôas Cueva tenha entendido razoável a inclusão de honorários advocatícios contratuais na cobrança extrajudicial, diferiu do precedente do próprio STJ e consignou a possibilidade de cobrança dos próprios honorários envolvidos na execução judicial do contrato de locação de shopping center:

"Nesse contexto, a situação que autoriza a intervenção judicial para a modificação do contrato precisa realmente extrapolar o que usualmente se verifica nas relações empresariais do setor", observou.

Nesse caso, o STJ entendeu que a existência de previsão expressa no contrato entre lojista e shopping sobre a cobrança dos valores de honorários permitiria a indenização dos honorários contratuais despendidos pelo shopping, mesmo que na ação judicial de cobrança, sem que isso implicasse em duplicidade indevida de honorários (sucumbenciais + contratuais).Interessante ressaltar a menção expressa, na decisão, ao art. 54 da lei 8.245/91, que prevê que "nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei".A possibilidade de cobrança dos honorários contratuais segue sendo objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive com divergência em julgados. Como exemplo trazemos trechos do julgamento do Agravo Interno no RECURSO ESPECIAL 1.515.433 - MS, em que o tema quanto a possibilidade de ter deferido o ressarcimento dos custos decorrentes dacontratação de advogado para ajuizamento de ação. A Quarta Turma do respectivo Órgão Julgador detém entendimento que, a necessidade de contratação de advogado, por si só, nãoconstituem ilícito capaz de ensejar danos materiais indenizáveis.Nos fundamentos da decisão, o Nobre Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira assim menciona:

"Melhor explicando, muito embora tenhamos, por reciprocidade, dereconhecer o direito do réu de, resultando vencedor na ação(improcedência total dos pedidos), ser indenizado pelo autor doshonorários contratuais pagos ao seu advogado, não terá o autor praticadonenhum ato ilícito capaz de dar ensejo a esse dever de indenizar. Narealidade, terá apenas exercido o seu direito de ação,constitucionalmente garantido (sendo certo que, no particular, não seestá a cogitar das situações em que há abuso desse direito, com oajuizamento de ações temerárias) ".

Ainda, no mesmo Voto traz Á colação entendimento expressado nas razões do julgamento do REsp 1.027.797/MG, 3ª Turma, em que naquele contexto ressaltou:

"... a expressão 'honorários de advogado', utilizada nos arts.389,395e404doCC/02, deve ser interpretada de forma aexcluir oshonorários contratuais relativos Á atuação em juízo, já que a esferajudicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, nãoobstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa),resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honoráriossucumbenciais. Vale dizer, o termo 'honorários de advogado' contido nos mencionadosdispositivos legais compreende apenas os honorários contratuaiseventualmente pagos a advogado para a adoção de providênciasextrajudiciaisdecorrentes do descumprimento da obrigação, objetivandoo recebimento amigável da dívida. Sendo necessário o ingresso em juízo, fica o credor autorizado a pleiteardo devedor, já na petição inicial, indenização por esses honorárioscontratuais - pagos ao advogado para negociação e cobrançaextrajudicial do débito - mas, pelos motivos acima expostos, não terádireito ao reembolso da verba honorária paga para a adoção das medidasjudiciais. Com isso, penso que ficam equacionados os direitos do credor e dodevedor, do autor e do réu, compatibilizando-os não apenas Ásdisposições do CC/02, mas também Á coexistência, admitida por nossoordenamento jurídico, de honorários advocatícios de naturezas distintas,contratuais e sucumbenciais..."

É possível concluir que via de regra os honorários contratuais não serão indenizáveis em favor da parte vencedora, seja porque os honorários sucumbenciais existem para esse fim, seja porque o STJ entende que os contratos entre particulares não podem ser oponíveis a terceiros e potencialmente gerariam inúmeras demandas temerárias.Ainda assim, as três esferas do poder têm demonstrado cada vez mais respeito Á vontade das partes dispostas em contrato (pacta sunt servanda), sendo a recente PEC da liberdade econômica um inequívoco apontamento nessa vontade.Com esse amadurecimento, caso as partes tenham celebrado contrato que preveja expressamente a possibilidade de indenização dos honorários advocatícios, o judiciário tem aceitado, em determinados casos, a compensação com os gastos despendidos com a contratação de advogados.Em casos em que não há expressa previsão entre as partes, prevalece o entendimento de que terão as partes litigantes apenas exercido o seu direito de ação, constitucionalmente garantido, sendo que para ressarcimento dos eventuais prejuízos na contratação de advogado, existe a figura dos honorários sucumbenciais.Logo, diante das divergências mencionadas, primando por segurança jurídica, no caso de eventual ajuizamento de demandada, é prudente a contratação expressa da possibilidade de cobrança da parte sucumbente pelos valores despendidos na contratação de advogado no caso de execução judicial das obrigações contratuais, visando minimizar prejuízos futuros decorrentes da inadimplência.

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1 Provérbio do Pintor, Calígrafo, Poeta e Estadista Chinês, Wang Wei. 701-761.

2 https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/11559/Porto_Lucas_Porciuncula.pdf?sequence=1)