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Processo Judicial e a devida condução processual
O processo judicial constitui o caminho pelo qual o Poder Judiciário – o “Estado-Juiz” – tem conhecimento de fatos e de conflitos entre as partes, e, diante da situação fática comprovada, aplicará o Direito. No sistema jurídico brasileiro, não há possibilidade, de regra, de as partes fazerem valer seus direitos diretamente contra aqueles que as lesam, o que se denomina de vedação ao exercício arbitrário das próprias razões. Existem exceções muito pontuais, como, por exemplo, a realização do que se denomina de “penhor legal”, como a retenção de malas de clientes de hotel que não pagaram as diárias, o qual, de qualquer sorte, exige homologação posterior do Poder Judiciário, nos termos do artigo 703 do Código de Processo Civil.
No Processo Civil brasileiro, há distintos procedimentos previstos, como, por exemplo, o procedimento comum, execução de título extrajudicial, ação monitória, ação de exigir contas, dentre outros. Além disso, cada procedimento tem características próprias. E, considerando que o processo tem uma finalidade, qual seja solver a demanda judicial, é dizer, aplicar o direito na situação conflituosa, há momentos processuais para a produção de determinados atos, sob pena de preclusão, isto é, de a parte perder a oportunidade de realizá-lo.
Portanto, há a inafastabilidade da jurisdição e, invariavelmente, determinados conflitos precisarão envolver o Estado, devendo-se observar os caminhos processuais previstos para serem solucionados. Nesse cenário, o presente texto tem por pretensão contextualizar o Processo Civil no Direito brasileiro e ajudar a compreender a importância, sobretudo, do domínio das regras processuais e da devida instrução processual, notadamente da produção probatória.
Em um Estado de Direito Democrático, a definição das instituições competentes pelo processamento e julgamento das causas e delimitação das suas respectivas funções – vedação a Juízos e Tribunais de exceção –, bem como a existência prévia das normas jurídicas e dos respectivos procedimentos judiciais constituem princípios básicos. Dessa forma, evita-se, por exemplo, decisões arbitrárias e processos parciais, surreais e inacessíveis Á compreensão dos cidadãos, como, por exemplo, aquele processo judicial retratado na obra do renomado escritor checo Franz Kafka, intitulada “O Processo”.
Além de o processo constituir um instrumento, ou seja, um meio para compreensão adequada dos fatos e a devida apreciação judicial, trata-se também de um conjunto normativo próprio, constituindo objeto de um ramo jurídico autônomo. Nesse aspecto, é essencial dominar as normas processuais e o estabelecimento, de acordo com a situação fática, de adequada estratégia processual, a partir da metodologia e do conhecimento extraído dessa área jurídica.
O processo judicial, devidamente regulamentado na legislação, evita ou, ao menos, reduz o arbítrio estatal. Mas erros na condução processual, sejam judiciais – denominados errores in procedendo – sejam pelas partes, podem afetar, de forma categórica, a decisão judicial e, em decorrência, alguém que faz jus a determinado direito perder o processo!
É preciso ter consciência que as partes têm conhecimento dos fatos; o magistrado, não. O processo, nesse prisma, objetiva estabelecer qual a controvérsia e permitir uma reconstituição dos fatos, para, diante daqueles que forem comprovados judicialmente, aplicar o direito. Há uma busca pela verdade real; porém, a devida apreensão dos fatos, a depender do que vier a ser comprovado, enseja o que se denomina “verdade processual”. Ou seja, pode-se conseguir, ou não, retratar os fatos como realmente ocorreram, e, muitas vezes, não se consegue.
Logo, para a parte ter seu direito preservado pela via judicial, é preciso a devida delimitação das questões de fato e de direito, bem como uma diligente produção probatória.
O processo deve assegurar o contraditório e a ampla defesa, observada o que se denomina paridade de armas, ou seja, um tratamento justo e paritário a ambas as partes. Também se tem como princípio a prevalência do mérito quanto Á forma. O processo tem uma natureza instrumental, pois as regras processuais servem para um problema ser resolvido – são um meio para alcançar um fim. Nesse contexto, eventual nulidade decorrente da não observância da forma processual prescrita, caso tenha alcançado sua finalidade e não constitua vício processual grave, pode ser superada.
A observância dos princípios não pode levar Á eternização dos processos, pois a decisão tardia é falha! Nessa perspectiva, a celeridade processual também é um princípio a ser observado, sobretudo porque os conflitos precisam ser solucionados de forma rápida, para manter a paz social. Se a jurisdição é centrada no Estado, justamente para evitar conflitos diretos entre as partes, os julgamentos devem ser rápidos, para preservar o sistema jurídico, assim como o respeito e a pacificação no seio da sociedade.
No artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República, resta assegurada “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, assim como o artigo 4ºdo Código de Processo Civil prevê o direito de as partes obterem a solução integral do mérito em prazo razoável, incluído o resultado útil do processo, é dizer, o que efetivamente se pretende – o bem da vida vindicado, como se costuma referir no meio jurídico.
Há, como dito acima, diferentes procedimentos, com fases próprias, conforme o tipo de conflito, tendo em vista a necessidade de o processo seguir uma tramitação que visa a alcançar a sentença – que constitui lei entre as partes - e, por fim, a sua concretização. A parte ré, por exemplo, tem, no procedimento comum, prazo de 15 (quinze) dias úteis para contestar, após comprovado no processo a realização da citação. E, mesmo que conteste, se determinados fatos não forem impugnados, e pelo aspecto geral da peça defensiva não puderem ser considerados controvertidos, incide a presunção de veracidade, nos termos do artigo 341, caput, do Código de Processo Civil.
Ainda, as partes devem apresentar as provas documentais que têm Á disposição na primeira oportunidade, ou seja, o autor anexa Á inicial e o réu Á contestação, conforme determina o artigo 434 do mesmo diploma legal. De regra, admite-se, no curso do processo, a juntada de prova documental posteriormente a essas oportunidades apenas se for documento que a parte não tinha acesso, quando do ajuizamento da ação ou da oferta da contestação, ou que esteja relacionado a evento posterior, observados os requisitos do artigo 435 do Código de Processo Civil.
Além disso, é obrigação do autor provar o que alega (ou seja, o fato constitutivo do seu direito); ao réu cabe demonstrar que há fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. Eventualmente, o magistrado poderá inverter o ônus da prova, quando, por exemplo, a parte que deveria produzir a prova não pode, pois, em razão das particularidades da relação de direito material, está impossibilitada de produzi-la ou constituir um ônus excessivo ou a parte adversa ter maior facilidade de obtê-la. Todavia, a inversão do ônus da prova não pode, igualmente, gerar uma prova impossível ou excessivamente difícil Á outra parte.
Há também outras provas que são regulamentadas e que, a depender do objeto do processo, podem ser requeridas, como, por exemplo, depoimento pessoal, prova testemunhal, prova pericial e inspeção judicial. O requerimento da prova parte, primeiro, de um pressuposto de utilidade, é dizer, deve constituir um meio efetivo para comprovar determinado fato.
Ainda, a parte deve ter em vista que a prova é voltada ao juiz, que a apreciará independentemente de quem a produziu, ou seja, a considerará para apurar o que ocorreu e não no interesse de quem a trouxe aos autos, por isso o pedido de prova, além do critério de utilidade, deve ter em vista a conveniência para aquele que a requer. Não seria oportuno, por exemplo, o interessado solicitar a oitiva de uma testemunha cujo depoimento poderia trazer elementos que tumultuariam o processo e tiraria clareza do fato central que pretendia demonstrar ao Juízo.
Por fim, o Juiz pode determinar a produção de provas de ofício, isto é, sem requerimento das partes, caso repute a prova necessária para esclarecer os fatos e, assim, julgar o processo. As partes, por meio de seus procuradores, devem impugnar eventual prova determinada pelo juiz de ofício, se irrelevante ou inoportuna, ou discutir o conteúdo com o fim de resguardar seu direito.
Após encerrada a produção probatória, e diante do quanto provado nos autos, o juiz realizará o que se denomina de subsunção, isto é, analisará os fatos e os enquadrará nas normas jurídicas incidentes. Constitui o que se denomina também de silogismo jurídico. Dessa forma, julgará o processo e dirá quem tem ou não razão no conflito.
Nessa conjuntura, reforça-se que não adianta ter razão, ter, hipoteticamente, o direito, se não prová-lo de acordo com as regras processuais!
Em suma, considerando que o processo judicial constitui o meio hábil para tutela de direitos, revela-se fundamental, a luz do problema fático, traçar uma devida estratégia processual, que contempla desde o rito processual a ser escolhido, as provas a serem produzidas e as teses a serem propostas. Sem a devida comprovação dos fatos, o direito pode não ser assegurado pelo Judiciário, bem como, em caso de inobservância de regras processuais, as sanções decorrentes, como nulidades e presunções de veracidade, também podem impedir a satisfação do direito pretendido.
Nessa perspectiva, a devida orientação técnica, o acompanhamento jurídico – inclusive prévio ao ingresso da ação – e o exame detalhado da causa são muito importantes para tutelar os interesses do cliente e procurar diminuir os riscos da judicialização.